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Um debate fundamental levantado nas últimas semanas é a respeito da natureza da corrupção do Brasil. Como reação aos problemas enfrentados pelo governo com as inúmeras denúncias lançadas nas últimas semanas, alguns líderes do Planalto defendem a tese de que a corrupção é algo endêmico – e inclusive – até cultural da sociedade brasileira.

O ministro da Justiça Eduardo Cardozo indicou claramente no dia 21 de novembro que em sua visão a corrupção no Brasil – incluindo as denúncias sobre o governo federal – é cultural, pois na formação social brasileira o público e o privado se misturariam.

Em sua frase, publicada em diversos veículos de comunicação, o ministro indicou:

“a classe política é um reflexo de uma sociedade que, ao não distinguir do seu meio público e o privado, escolhe sem esse critério seus representantes e depois os reprime, legitimamente, mas sem olhar para si (…) vivemos numa sociedade que até o síndico de prédio superfatura quando compra o capacho”.

A ideia da corrupção cultural partiria do pressuposto de que a própria sociedade brasileira – uma sociedade organizada sob o típico jeitinho – estaria no cerne dos problemas que abalam o sistema político nacional.



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Um exemplo desta questão estaria retratado em pesquisa divulgada pela Folha de São Paulo em 04/05/2013 indica que um em cada 10 assinantes de TV paga no Brasil fazem pirataria de canais premiums e pay-per-view. Assim, desde as bases da sociedade existe um grande processo de carência de credibilidade das instituições sociais, corrupção e impunidade. Os cidadãos que criticam as denúncias e práticas corruptas do governo seriam os mesmos que adotam subterfúgios corruptos para fugir da aplicação de leis e penas.

Apesar desta antropologia e sociologia com parcos dados históricos, sem nenhuma legitimidade acadêmica, senão o lugar comum e estratégico de igualar aquele denunciado aos outros que não participaram do processo, o ministro da Justiça apresentou uma solução, lugar comum, além de perigosa – a necessidade de uma reforma política. Contudo, se os problemas estão no coração da sociedade, qual seria o efeito de mudanças institucionais na operação do sistema de governo – o fundo a ser corrigido seria praticamente inatingível por um programa de governo

É curioso pensar no argumento da corrupção ser “cultural” no Brasil. O que pretende o Ministro com isso dizer na posição de agente político que ocupa? Ora, o Ministro não está dizendo isso com algum embasamento acadêmico, é evidente, tampouco com intenções de pesquisa profunda, embasada e legitimada por exemplos concretos colhidos ao longo da história. Não, ele parte para a generalização e para o uso do clichê.

{{ Crédito da foto: la forêt interdite}}

Sendo um animal político, resta nos perguntar o que pretende o ministro? Talvez queira, na posição de agente político, minimizar os escândalos de corrupção que envolvem o governo do qual fez parte – e faz parte comandando nada mais, nada menos, do que a pasta da justiça; aliás, não era sua chefe que no período das eleições negava a existência de corrupção na Petrobrás? – ou talvez queira ele fazer um mea culpa, assumindo que há corrupção no governo e que temos que entender que esse é um mal de todos os governos? E quais seriam as consequências desta análise?

A resposta seria um pedido à população – e talvez mesmo até para a oposição – de que deixem de levantar críticas mais severas ao governo, pois este padece de males que são partilhados não só por toda a elite política – que já fora levantado em outros momentos e crise aguda no governo federal – mas sim por toda a sociedade. Desta maneira, de forma indireta o ministro conclamaria a sociedade para que se acomodasse ante a problemas que são de fato crônicos, históricos e incrustrados na formação da sociedade brasileira.

É curiosa a retórica do Ministro Cardoso como agente político. Afinal, se a corrupção é uma característica cultural do brasileiro, então todos nós somos corruptos, e por isso não deveríamos apontar o dedo para os escândalos diários do atual governo, do qual o ministro é membro? Ou talvez teríamos que entender que não foi o atual governo que inventou a corrupção, e por isso teríamos que ser lenientes e compreensivos, sem nos indignarmos?

Aliás, curioso o argumento de que não foi seu partido que criou a corrupção. É verdade, não foi. Assim como não foram políticos tradicionalmente tidos na história recente brasileira como participantes ou chefes de grandiosos esquemas de corrupção como Paulo Maluf, Fernando Collor, José Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho, Antonio Carlos Magalhaes, sem deixar de lado os líderes do regime militar os generais Ernesto Geisel, João Figueiredo, Castelo Branco, ou líderes políticos de outrora como Eurico Gaspar Dutra, Epitácio Pessoa, Floriano Peixoto, Dom Pedro I, os criadores da corrupção. Nem mesmo os romanos inventaram tal prática deletéria. Talvez o primeiro episódio corruptível na sociedade humana tenha acontecido ainda antes da criação do Estado e mesmo da palavra escrita.

Dizer que não foi esse governo o criador da corrupção seria um argumento para minimizar e, casando com o argumento da corrupção cultural, ensejar a nossa paciência e a necessidade de compreensão para com os escândalos?

Talvez seja essa a intenção do Ministro…partir para lógica da generalização, para que todos sejam cúmplices dos desmandos do governo, e, sendo todos cúmplices numa sociedade culturalmente corrupta, arrefecer a indignação e deixar o governo em paz.

Espero que o Ministro Cardoso seja coerente e também jamais concorde com a participação de outros Malufs, Sarneys, Calheiros, Katias Abreu e outros do gênero…porque a lógica em que acusa o eleitor de ser cúmplice pelo eleito é a mesma do governo que compartilha o poder com o corruptor. E ninguém mais cúmplice do que ele mesmo, Ministro da Justiça de uma sociedade que acusa ser culturalmente corrupta.

Sobre os autores:

Guilherme Antonio de Almeida Lopes Fernandes
Bacharel em Direito – USP
Mestre em Integração da América Latina e Doutorando em Direitos Humanos – USP
Professor do Curso de Relações Internacionais e Direito da FMU

Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes
Bacharel em Relações Internacionais – USP
Mestre e Doutor em Ciência Política – USP
Professor do Curso de Relações Internacionais da FMU

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