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Era uma vez um planeta chamado Terra. O século é XXI. O ano é 2009. O acontecimento?

Uma noite comum.

Um homem comum vivia sua vida. Comum. Na televisão passava um programa que não devia, mas era comum. O homem se levanta, vai até seu quarto, cumprir sua rotina. Já sabemos, comum.



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Aperta o botão e liga seu computador. Ordinário. Liga seu sistema operacional, sem saber exatamente o que há para operar. Senta, ouve uma música e começa a escrever um relatório que não sabe exatamente para que serviria, mas que também não era nada incomum.

 E ao chegar em sua cozinha, sua própria cozinha, e pegar um copo e enchê-lo com água gelada e guardar a garrafa na geladeira e tomar um pouco do líquido e sentir-se aliviado, eis que no meio desta série de acontecimentos houve um outro.

E na escuridão de sua própria presença, ali, logo após a fronteira do por do sol não viu-se só. Não viu nada. Um pensamento lhe ocorreu, destes que só uma criação católica, recheada de culpa nos trás.

Pensou e concluiu que não tinha deixado de pagar sua conta. Não. Não era sua culpa. Muito embora ele tivesse saído mais cedo do serviço, dando a desculpa de que precisava entregar um relatório na filial, muito embora tivesse escapado dez minutos mais cedo do que deveria, embora tivesse se sentido mesmo aliviado por escapar um pouco do trânsito, não era sua culpa. NÃO PODIA SER SUA CULPA.

Desligou os aparelhos da tomada, temendo uma pane qualquer. E olhou pela janela. a quanto tempo não olhava sua própria janela? Viu uma cidade que não reconheceu. Viu uma coisa que não era inteiramente comum. Um quê de não sei quê tomava conta das pessoas. Não era a escuridão que tomava as avenidas. Não era a pressa das pessoas em sair das avenidas. Isso tudo era, de certa forma, comum.

Percebeu que no prédio vizinho os vizinhos conversavam. Percebeu que havia um certo medo. Uma certa ansiedade que não era de todo ruim.

Passado o sentimento inicial começou a preocupar-se com as pessoas que gostava. E lembrou-se de ligar para elas. Mas seu telefone não funcionava. E começou a preocupar-se se as pessoas estavam preocupadas com ele. E presumiu que não haveria nada que os fizesse preocupar.

Afinal, era só a luz que faltava.

Acendeu um cigarro e e decidiu dar uma volta. Logo ouviu sirenes e gritos e correrias e gritos e batidas e gritos e um ruído.

Um ruído? a quanto tempo não prestava atenção nos ruídos? Um ruído.Vindo de dentro. Sussurrando. Metade perguntando metade respondendo. a quanto tempo não ouvia sussurros? E percebeu que não adiantava tentar reconhecer seu bairro aquela noite. Não era uma noite comum.

E ao decidir voltar ao seu apartamento com vista para a cidade escura e um tanto desconcertada percebeu que algo mudara. Mas não conseguia ver nem saber o quê.

Subiu quinze andares pé ante pé. Nunca tinha usado as escadas de seu condomínio. Hoje cumpriria a ‘via crucis’ um andar por ano de vida ali.

E como não podia mais fazer o relatório foi dormir. Com a certeza de que acordaria cedo para finalizá-lo.

Mas o despertador não tocou. Não que fosse exatamente um problema ele havia mesmo acordado com o Sol. a quanto tempo não acordava com o Sol? Mas aquilo não era comum. Olhou seu despertador e viu que ele não ligara. Não sabia bem a que horas havia ido dormir, mas a luz devia ter voltado.

Ligou a televisão. Que não ligou. Olhou pela janela e viu os semáforos desligados. Não era possível. Tomou um banho gelado. Era preciso se manter na rotina. Gelada rotina. E ao chegar no trabalho lembrou-se de que não havia relatório.

Pegou uma caneta e escreveu. E antes que pudesse apagar o que havia escrito canetas não pagam o bilhete voou. Como se o destino interferisse. Como se deus quisesse que o bilhete não fosse rasurado. Como se a fortuna tornasse o bilhete uma passagem sem volta.

E atravessou a porta. E descobriu que o caminho se faz caminhando. a quanto tempo sabia disso?

A luz voltou logo em seguida. Ele não.

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