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A questão, penso eu, é quem faria um julgamento justo de Osama?! Quem seria o advogado de defesa?! Foi isso que expus tempo atrás {{não acredite em mim}}

TENDÊNCIAS/DEBATES
Foi correta a operação norte-americana para matar Osama bin Laden?

NÃO

“V” de Vingança

JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, conseguiu capturar Osama bin Laden no domingo passado. Quem executou a operação foram integrantes de uma tropa criada para realizar operações secretas. O Paquistão, país onde Bin Laden estava abrigado, não foi avisado das ações americanas.
“A justiça foi feita”, afirmou Obama em seu pronunciamento após a ação. Para comemorar tal “justiça”, milhares de pessoas saíram às ruas e aclamaram seu presidente como um herói; diversos líderes mundiais afirmaram que essa é uma “vitória contra o terror”.
Mas trata-se mesmo de justiça?
Ou a ação dos EUA deve ser considerada como mera vingança? Justiça e legalidade não se confundem: não vou tratar aqui da legalidade da operação. A execução de Bin Laden não gerou protestos significativos na comunidade internacional.
O desrespeito à soberania do Paquistão, a aplicação de uma pena sem processo judicial, o segredo da operação, nada disso parece tão importante diante do objetivo final.
Os fins justificariam os meios, portanto? Processo judicial, sentença formal, Estado de Direito: esses conceitos seriam apenas tecnicalidades? A resposta é clássica e antiga: devemos desconfiar do poder e submetê-lo a fiscalização constante. A história ensina que os poderosos abusam de sua posição.
Um poder sem controle pode degenerar em autoritarismo: basta que a definição do justo se torne privilégio de um pequeno grupo de pessoas. Devemos desconfiar de Obama como desconfiávamos de Bush, ex-presidente dos EUA. Todo poderoso precisa ser vigiado, pois não estamos diante de uma luta do bem contra o mal.
Trata-se apenas de um Estado nacional que agiu com fundamento em seu Direito interno, sem a anuência clara da comunidade internacional, para levar adiante uma ação secreta e unilateral.
Não é razoável que o presidente dos EUA tenha o poder de decidir unilateralmente quem deve viver e quem deve morrer ao redor do mundo. E pouco importa que a execução de Bin Laden seja considerada “justa” pela opinião pública ou que venha a desestimular ações terroristas. A questão não é essa.
É preciso discutir quem deve ter o poder de tomar decisões assim e qual deve ser o procedimento a ser seguido. Diante do ocorrido, não seria surpresa descobrir que agentes americanos estejam no Brasil investigando a suposta ligação entre membros de organizações terroristas e a comunidade árabe local.
Haverá mais mortos em nome dessa justiça? É sabido que, na esfera internacional, o Estado de Direito ainda é uma utopia distante.
Nessa esfera, tem prevalecido o realismo do poder, que não se deixa limitar pelos aguilhões do Direito e fala em nome da justiça em toda e qualquer ocasião. Nesse registro, “justiça” passa a ser sinônimo de “opinião dos poderosos”.
E não há novidade alguma em constatar que eles ajam dessa forma, disputando o poder em detrimento do Estado de Direito.
A novidade está em acreditar que o mundo deva ser assim. A novidade está em transformar essa triste realidade em uma regra que permita classificar a ação dos EUA como justa sem que haja protesto algum.
O autoritarismo nasce falando em nome da justiça, com o objetivo de fazer o bem. Mas sem permitir que a sociedade influencie seus atos, tomando decisões em fortalezas secretas, vigiadas por guardas armados. Para o bem da democracia, é fundamental que Obama ponha um ponto final na guerra ao terror e passe a combatê-lo em regime de normalidade, ao lado da comunidade internacional.
Nesse caso, será mais fácil aceitar que ele use a palavra “justiça”.


JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ, mestre em direito pela USP, doutor em filosofia pela Unicamp, é professor, editor da revista “Direito GV”, coordenador de publicações da Escola de Direito da FGV-SP e pesquisador do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal.
 

{{não acredite em mim – folha de São Paulo}}
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