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Em tempos de homem pagando mico para falar de feministas, o sensato Caipira reconheceu sua ignorância em relação ao termo feminazi e, pela primeira vez na história desse país, uma filha de Iansã invadiu o Imprença.

Certa vez recebi o e-mail de uma feminista, militante de um partido de esquerda, em que sugeria que nós, mulheres, ao receber uma rosa em comemoração ao dia 8 de Março mandássemos o remetente enfiá-la no cú. Sim, no cu acentuado.

Pacientemente respondi dizendo que apesar de concordar que a data é muito mais de luta e de reflexão do que comemorativa, ainda assim acho válido aceitar a rosa. Embora para muitos a rosa seja uma homenagem ao meu útero, há quem entenda que o sofrimento feminino vai além da dor do parto e seja qual for a faceta feminina que acreditam estar parabenizando, é um desafio ser mulher, portanto, eu aceito, obrigado.



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Certamente muitas mulheres que leram a minha resposta se sentiram representadas enquanto outras permaneceram contempladas com a autora do e-mail. O episódio, embora pequeno, mostra que dentro de um movimento, apesar do eixo comum, há sempre vozes dissonantes. E isso é indicativo de algo imprescindível quando se fala do ser humano: pluralidade. Como é possível supor, unanimidade e feminismo não combinam (viva!), o que permite o nascimento de diversas formas de pensar, questionar e reinventar as ações e estratégias.

Antes de qualquer coisa, quero fazer um breve esclarecimento dada a quantidade de absurdos que li aqui e ali na blogosfera. Em primeiro lugar, feminismo não é aquela sessão de piadas em contraponto à sessão de frases machistas. Feminismo também não é frase de auto-ajuda em situações de chifre ou pé na bunda. E se alguém está curioso para saber se optar por não depilar as axilas e usar cuecas é pauta de discussão, eu asseguro que não. Por fim, todo mundo pode respirar aliviado porque matar homens e criancinhas também não é incentivado. Como vêem as feministas não querem ser ou destruir os homens. Feminismo como sinônimo de mulheres que odeiam homens e são machistas às avessas é história da carochinha, te enganaram.

O Feminismo surgiu após intensa mobilização e denúncia feita pelas próprias mulheres em relação a sua condição de vida. Dá trabalho. É preciso recontar a história da humanidade considerando o que foi esquecido: a perspectiva de gênero. Em relação ao início da luta, seria um erro dizer que a resistência feminina teve início da Revolução Industrial, pois o trabalho feminino já existia, embora muito inibido, assim como o enfrentamento às desigualdades e discriminações. Mas foi a partir do final do século XIX que a luta ganhou maior visibilidade e as feministas transformaram discussões como: o direito à propriedade, ao voto, divórcio e métodos contraceptivos em direitos.

Contudo, às vezes é mais fácil convencer que matar as baleias e caçar jacarés não é legal, do que alertar que o machismo está vivo e como um vírus sofre diversas mutações e precisa de novas vacinas. O movimento feminista, portanto, propõe, conforme a conjuntura, diferentes ações para combater a exploração da mulher pelo homem, do homem pelo homem (e todas as outras combinações que quiserem fazer), afinal, não se trata de vingança histórica, mas da reparação de uma desigualdade que aprisiona opressores e oprimidos.

Porém, denunciar o machismo rende o estardalhaço de acordar todos os tipos de resistência de homens e de mulheres. Embora a mudança pareça ser a lei da vida, muita gente não se atreve a vislumbrar um mundo com outros tipos de relação. Há quem acredite que caminhamos naturalmente para uma reparação e há quem defenda que somente com outro tipo de organização econômica colocaremos fim aos diversos tipos de exploração. As feministas se alinharam ao segundo tipo de pensamento e foram para ação, afinal, nenhuma conquista do movimento veio sem luta. Denunciar a tríade machismo-capitalismo-patriarcalismo é pauta do movimento, sensível a qualquer forma de injustiça. De qualquer modo, independentemente das divergências entre feministas, uma coisa é certa: mulher ocupando espaço que antes só homem ocupava assusta e incomoda.

E esse medo de mulher já fez todo tipo de brutalidade: mulher na fogueira, mulher propriedade do homem, mulher na prisão domiciliar, mulher apedrejada, mulher estuprada, mulher espancada, mulher humilhada, mulher mal paga, mulher silenciada. E para quem não aceita a realidade tal como está corre o risco de ser xingada por um palavrão: feminazi.

Luis Nassif, jornalista conceituado e blogueiro queridinho de grande parte da esquerda, pisou na bola ao divulgar o post de um desses homens assustados que apelou para o termo feminazi quando faltou argumentos para explicar o que seria uma feminista radical. O episódio não podia passar despercebido e Nassif teve de se explicar. Com ego ferido, fez questão de mostrar as ofensas metralhadas pelas “patrulheiras”. Serão elas as tais das radicais, xingadas de feminazis? Por enquanto vamos ficar sem explicações acerca desse complô feminino para destruir os homens já que algum homem terá que inventar e conceituar essa vertente no Feminismo.

Até lá, sugiro que não fiquemos tão ressentidos com o Nassif.

Todos nós temos limitações do próprio preconceito enraizado. É preciso constante vigilância e Nassif vacilou na dele. O machismo o cegou para o palavrão feminazi que, para ele, foi um termo que passou despercebido, na pressa. Para quem sente na pele, a reação é outra: ofende e desqualifica a luta. Entretanto, acho justo lembrar que mesmo nos partidos de esquerda mais radical o feminismo é, muitas vezes, olhado com pouca credibilidade por quem acredita que com o fim do capitalismo as desigualdades entre homem e mulher desapareceriam quase que de imediato. Muitas vezes é preciso lembrar e relembrar que sem feminismo não há socialismo.

Por fim, quero aproveitar os holofotes para o Feminismo e chamar atenção para as reivindicações das mulheres. O machismo gera resistência em todos os sentidos (literalmente): cega, tapa os ouvidos e cala. Parece consenso nacional quando Elisas e Eloás ocupam os noticiários que o machismo existe e mata. Mas quando esses casos que parecem raros são juntados aos dados de que entre 2003/2007 foram registrados no Brasil 19.440 homicídios de mulheres e a estimativa é de que a cada 2 horas uma mulher é assassinada no Brasil, garantido a posição de 12 no ranking mundial de homicídios de mulheres; vira papo de feminista (feminicídio), ninguém mais escuta e a prosa muda de rumo. Coincidentemente o fenômeno da surdez e cegueira coletiva se repete quando as mulheres reivindicam autonomia em relação ao próprio corpo (aborto), salários dignos, direitos políticos, jurídicos e sociais.

Aproveitar a ofensa do termo “feminazi” para explicar a luta e, mais do que isso, enfatizar que assim como na vida não existe homogeneidade no perfil de mulheres feministas – com exceção de feminazis, que não existem – é estratégico.

Peço otimismo, uma dose de paciência histórica e a ousadia de ocupar qualquer espaço para desmistificar termos e idéias inadequadas. Para ser ouvida, qualquer lugar vale. Até o blog de um Caipira que reconhece sua dose de machismo.

Por Renata Winning

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