Na discussão sobre a Copa do Mundo um ponto fundamental foi deixado de lado: A parte cultural do futebol.
O Caipira safado que ora escreve foi convidado a falar no Festival de Política, Arte e Cultura, promovido pela Juventude do PT, em Guarulhos, nos dias 30, 31 de maio e 1º de junho.
Como a fala deu um trabalho do cão e o Caipira aqui odeia pensar, aproveita cá o espaço para falar a mesma coisa, já que você muito provavelmente não viu a bagaça.
O Futebol tem sua origem na Inglaterra pós revolução industrial, suas regras oficiais datam de 1863. O Rugby era o esporte mais difundido, mais famoso.
A questão é que o Rugby é um esporte, digamos, mais bruto que o futebol. Os jogadores, com uniformes parecidos com os de futebol, jogam com as mãos, sempre passando para trás. Eu não entendo bolhufas de Rugby, mas de repente um cara se joga em cima do outro, que se joga em cima do outro e depois outro e… Bem, vocês pegaram o espírito, né?
Fato é que depois de ser amontoado o sujeito {{homem – já que estamos falando de 1860 e esporte era pra homens brancos}} ficava dolorido bagarai.
E ir trabalhar dolorido não é das coisas mais agradáveis, como vocês podem imaginar. Ir trabalhar na Inglaterra, pós revolução industrial, todo dolorido, piora bem… Foi daí que alguém teve uma brilhante ideia:
Ow {{com w, porque é inglês}}, fio, porque demônios a gente não joga a bagaça com os pés, uma coisa mais light {{porque é ing… Ah, já entendeu, né?}} ?
Foi então oficialmente inventado o futebol, ou, como dizemos na Caipirolândia, o futebór. Depois algum chato sentiu falta de pegar a bola com a mão e inventou-se o goleiro.
E depois disso, o que houve? Houve que o futebol se espalhou pelas camadas operárias da Inglaterra, depois disso pelas ilhas da Grã Bretanha e de lá para todo o universo intergaláctico.
No Brasil um sujeito veio para cá trazendo na mala duas bolas. Estamos em 1895. O sujeito, doravante Charles Miller, começou a ensinar o futebol para os brasileiros {{homens, brancos, ricos}}.
Estamos no início do século XX quando finalmente o futebol deixa de ser football e passa a ser futebór. Ou seja, espalha-se pelas classes pobres do país. Diversos clubes foram fundados, sempre homens brancos jogando.
Somente na segunda década do século XX {{ou final da primeira década}} o futebol passa a aceitar negros. Vasco da Gama é o primeiro time a ser campeão utilizando jogadores negros. Corinthians é fundado por operários, depois de assistir a uma partida de exibição do clube inglês, Corinthian.
No Rio Grande do Sul dois times se destacavam, Grêmio e Fussball. Ambos só aceitavam jogadores de origem germânica. Funda-se o Internacional, que tem esse nome por aceitar pessoas de qualquer origem {{exceto, claro, África}}. A partir de 1920 o Inter passa a aceitar negros, também.
Tá bom, seu Caipira, já entendemos, o futebol tem lá sua parcela na inclusão dos negros como parte da cultura nacional, mas IDENTIDADE??
Calma, santa. Ou santo. Sei lá.
Vamos mais adianta. Estamos na Ditadura Vargas. Legitimado pela ideia de crise que o discurso autoritário produziu, o Estado Novo varguista desenvolve uma nova e verdadeira {{a opinião é dele, gentem, só estoy a reproducir la cosa toda}} identidade nacional {{não acredite em mim}}.
O futebol é parte deste processo. Como vimos, se popularizou nos anos 20. Nos anos 30 e 40 já é um fenômeno popular e de massa. O futebol é responsável por incluir os negros nessa identidade, apesar do descontentamento das elites. E daí, vemos uma frase do historiador Eric Hobsbawn:
Quem, tendo visto a seleção brasileira em seus dias de glória, negará sua pretensão à condição de arte?
A frase é importante porque foi justamente a entrada dos negros no futebol que trouxe o fator criatividade, em contraponto à disciplina tática. É, ao mesmo tempo, uma fuga do autoritarismo e uma corrida em direção à arte. Parte, portanto essencial da cultura de qualquer país {{a arte. O futebol, no caso, da nossa}}.
“O futebol é o ópio do povo”
Outra bobagem que se diz sobre o futebol é que ele é fator alienante. O povo, esta massa amorfa de gente ignorante, ao torcer para um time, necessariamente esquece de todos os problemas. Bem, há um exemplo típico usado pelos brasileiros: A Copa de 70.
Como se sabe a ditadura promoveu a Copa, Pelé e toda a festa em torno do evento como forma de promover um nacionalismo que lhes interessava.
É um modo de ver a coisa. O outro é que a população tinha na Copa, um escape das mazelas da ditadura, um momento de respiro. Mas, claro, esse não é um argumento muito sóbrio. Então temos outros…
Voltamos no tempo, estamos na Alemanha de Hitler, que acabara de invadir a Ucrânia. Lá havia um time, chamado Dínamo de Kiev, que foi, digamos, encerrado, por ordens alemãs. Pois havia um padeiro, muito querido por soldados alemães de alto escalão, que era fã do time. E eis que um dia, caminhando nas ruas, encontra o ex-goleiro do time. Deprimido e falido.
Resumão: o padeiro reuniu o ex-time inteiro e os convenceu a refundarem um clube. Nasce o FC Start. O novo time começa a fazer uma série de amistosos contra times diversos: combinado de soldados alemães, seleção húngara, time romeno. Ganham todos. Ganham fama.
Hitler, como se sabe, não era o cara mais espirituoso do universo. E, digamos, mimado, não sabia perder. Ordena que se mate todo o time, depois que o FC Start ganha de uma seleção de estrelas alemãs, por um placar de 5×1 {{que no futebol é chamado goleada, chocolate, entre outras coisas}}.
Mas as autoridades locais consideram que a ideia não era das melhores. Se o FC Start fosse fuzilado, sua última lembrança seria a de ter ganhado um jogo dos alemães, por goleada. Então tiveram uma brilhante ideia: vamos forçá-los a perder o jogo.
Então fazem uma oferta digna do Poderoso Chefão: ou perdem o jogo ou serão fuzilados. O jogo ocorre. E o FC Start vence, por 2×1. E foi inteiramente fuzilado.
É apenas um, dos tantos exemplos que podemos dar, sobre como o futebol ao invés de alienar, politiza. Há outros:
- Ingressão dos operários {{como dito acima}}
- Democracia Corinthiana {{movimento de jogadores do Corinthians, no início dos anos 80, de afronta à ditadura}}
- Jogo da Paz {{Haiti}}
- Santos FC parando guerra na África, em 1969 {{não acredite em mim}}
- Bom Senso F. C.
- Futebol como ópio do povo? San Lorenzo desmente. {{post do autor convidado, Leandro Iamin}}
Enfim, há inúmeros exemplos de como o futebol pode ser politizante. E, claro outros de que ele pode ser alienante.
O fato, crianças, é o óbvio: o futebol é cultura e parte indissociável da Identidade Nacional Brasileira. Se ele será alienante ou politizante, depende do povo. Como qualquer arte. Teatro, Cinema, shows, tudo pode ser fator alienante ou politizante.
Mas é tudo parte da cultura nacional. E acho um pouco esquizofrênico se discutir a Copa do Mundo no Brasil, ignorando esse fator.
Em tempo: Se você tem interesse em saber melhor os dados sobre gastos e legado da Copa 2014, veja este post.
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