Sábado, 11 de abril. Reunião de pauta dos #JornalistasLivres: Precisamos de pelo menos 1 infiltrado para ficar no caminhão dos Revoltados Online. Ficar amigo dos caras e checar se estão armados, para tirar fotos.
Quem? Assumo a tarefa.
Primeiro Tempo: a depressão
Vesti uma camiseta da CBF. É falsa como o personagem que tive que assumir.
Barba feita, boné da Lacoste , calça jeans dobrada na barra. Coxinha-padrão.
Fui até a base dos #JornalistasLivres, onde ocorria um debate sobre a democracia. O último suspiro antes do mergulho. Será que vai dar certo? Será que vou apanhar? Será que vão me descobrir? Engulo uma cerveja, não tinha como fingir que não estava aflito.
Dei por mim quando Marcelo Reis {{o chefe dos revoltados}} já estava à minha frente. Muito solícito {{muito mais do que eu seria com ele, é bom lembrar}} tirou a foto e avisou que eu não poderia subir no caminhão naquele momento. “Depois que o Bolsonaro falar, pode subir. Ele não gosta de muita gente perto”.
Com mil demônios, o Bolsonaro estava indo lá? Tinha que invadir esse caminhão!
Uma Jornalista Livre passou ao meu lado e entrou como jornalista. Ela não me reconheceu. Dez longos segundos olhando para a minha cara até responder o aceno. Estava na toca.
Subi e conversei longamente com um rapaz mais jovem que contou que toda a preparação para aquele ato começou no dia 16 de março.
“Ah, velho, isso aqui é nosso ganha pão, a gente vende as camisetas, cornetas, etc.”
Durante o tempo em que fiquei do lado de fora, como tiete, ele vendeu 2 bonés por vinte reais cada. Obviamente nenhuma nota foi dada. Muita gente pedindo cornetas. “Já acabou” ele repetia quase como mantra.
Pô, mas e as empresas, não ajudam não? Perguntei com medo de dar na cara e já emendei: Tem que ajudar, estamos todos no mesmo barco !
“Não, as empresas não ajudam não. Tem gente que acha que a gente faz isso aqui para lucrar, mas claro que não. Esse é nosso ganha-pão.”
Fui incapaz de fazer a pergunta que todos fariam. Não soube se eles têm outros empregos ou se vivem da lojinha da revolta. Queria voltar vivo, afinal.
A atração principal foi acompanhada do filho e dois seguranças-assessores. Não perderia essa chance.
Bolsonaro chegou chorando e envergonhado de chorar em público. Uma cena inusitada.
Marcelo Reis tentava agitar a massa {{sem sucesso, já que ninguém dava a mínima}}. Bolsonaro é mais do mesmo, exceto por uma pequena mudança: a expressão intervenção militar é trocada por intervenção popular. Mudou?
A manifestação não é só menor. Ela é também mais moderada. É claro que com pequenos casos de surtos agressivos, mas em número muito menor do que no dia 15.
O deputado terminou seu discurso. O assessor-segurança avisou: “Vamos tirar aquela foto!”. Saí da conjuntura mental e voltei ao papel. Um momento de hipocrisia histórica. Tanto quanto vender camisetas, bonés e cornetas anti-corrupção sem nota fiscal {{tão na cara que até o Estadão viu – não acredite em mim}}.
Estava ali para verificar se um deles estaria armado. E tirar uma foto, caso estivessem.
O filho, pelo menos, não estava. O pai carregava uma bolsa verde que pareceu ter algo parecido com arma. Não sei e não afirmo. Bolsonaro {{pai}} podia ter na bolsa uma arma tanto quanto uma garrafa de água.
Saí de lá num misto de nojo e risos. Ainda deu tempo de ganhar uma placa de um manifestante que por algum motivo foi com a minha cara, um selfie com um PM e um cavalo e um selfie com as peladonas…
Segundo Tempo: A euforia
Cai a noite e dezenas de jornalistas estavam sentados em meio a uma ocupação, escrevendo, editando e aguardando para sair.
Diversos alvos {{linguagem utilizada pela Frente de Luta por Moradia, para designar os prédios onde as famílias ocuparão, caso as ações sejam consolidadas}} seriam ocupados, nenhum de nós tinha os endereços. Sabíamos que havia no centro, na zona leste, no jabaquara.
“Pensamos em você para um dos locais de possível conflito.” Eu topo, já estava completamente tomado pelo lado eufórico da bipolaridade.
A ação se desenrolaria em partes. Primeiro uma ocupação consolidada, encontraríamos as famílias que pretendiam ocupar os alvos. Um esquema de segurança bastante sólido. Não daria para fingir ser fã e entrar no movimento, como fiz nos revoltados.
De lá ocuparam(mos) Brás, José Bonifácio e rua do ouvidor {{no link relato jornalístico dos fatos}}. Ganhei de presente um enquadro {{mas o sistema da PM estava fora do ar…}}, bombas de gás lacrimogênio {{no plural}} e uma euforia contagiante: duas das ações com possíveis conflitos foram bem-sucedidas.
Voltei bestificado com o dia que tive. E com a certeza de que a PM tem lado. E uma felicidade de ter feito parte de tudo isso, sem fim.
Seria impossível escrever esse relato de forma impessoal. Ter sido coxinha e sem teto em menos de 24 horas com toda certeza me definiu.
Eu posso até estar do lado errado, mas sei exatamente o que quero. Ao contrário das pessoas que tão carinhosamente me receberam na Paulista {{sem ironias, por bizarro que pareça}}. Ser coxinha me fez ainda mais quem sou.
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