Por mais que a tecnologia avance e quanto mais o mundo mude, uma coisa se mantém inegável, inexorável, imutável: uma boa história ainda é o melhor divertimento. O princípio ainda é o verbo. Temos o cinema 3D, a internet, a animação tão real quanto a vida, mas nada disso entretém as pessoas em si. Estes são recursos valiosos, ricos, mas que não subsistem sem o apoio de um bom roteiro, uma boa história.
E qual o segredo para se contar uma boa história? Existe o roteiro perfeito?
Neste vídeo, o guru do roteiro norte-americano Robert Mckee fala um pouco sobre isso. Fala ainda sobre a importância decisiva das histórias na vida de todos nós, do quantos estaríamos perdidos se houvesse a vida real e nada mais. Vale a pena investir vinte minutos de seu tempo para assistir:
O cinema e a TV são, antes de tudo, grandes mercados. O que agrada o mercado gera grande bilheteria e audiência, e dinheiro por consequência. E dinheiro é a gasolina que mantém qualquer mercado aquecido, funcionando e gerando emprego e renda. Portanto, se existir o roteiro perfeito, ele deve ter como característica principal a popularidade.
A popularidade costumeiramente é confundida com o clichê, o lugar comum, o batido. Penso que esta não é a verdade. A vida de todos nós é um grande clichê. Somos todos muito iguais. Os conflitos de nossas personagens saem de arquétipos muito antigos e limitados. A graça está em usar os clichês como ponto de partida de uma discussão efetivamente nova, ou através de um novo enfoque. Ser popular, segundo o pensamento de grandes mestres como Mckee (com o qual concordo), passa essencialmente pela sinceridade impressa no texto.
Um dos maiores erros que um roteirista por cometer é falsear a vida, recriar a realidade baseado em premissas falsas. O público é muito sensível e percebe a mentira.
A busca pelo roteiro perfeito tem criado situações com as quais não imaginávamos nos deparar e que podem criar problemas igualmente imprevisíveis. A Worldwide Motion Picture Group e a Epagogix são empresas que tem como função a análise de roteiros de cinema britânicos e norte-americanos. Esta análise se aprofunda em cada detalhe do roteiro, criando alguns algoritmos que serão posteriormente comparados com algoritmos retirados de roteiros de filmes campeões de bilheteria e lucratividade. O resultado é um relatório que recomenda ou não a produção daquele filme.
Perceba que nenhum critério artístico é utilizado. Apenas e tão somente a comparação com roteiros bem sucedidos. Seria uma fórmula matemática o instrumento mais adequado para julgar a arte? E fazer arte para o mercado ainda pode ser considerado arte?
São questões intrigantes e que passeiam pelo fio da navalha das fórmulas prontas. Ao meu ver, é a aplicação do modo de produção capitalista em seu pior aspecto numa área onde ele jamais poderia entrar além das fronteiras já determinadas naturalmente.
Na TV temos exemplos de textos que fogem completamente das fórmulas prontas e que se tornaram populares e lucrativos. A novela Roque Santeiro (de Dias Gomes, TV Globo, 1985) não passaria pelo crivo de nenhum analista de roteiros ou pelos algoritmos hollywoodianos. Um mocinho que fingia ser santo. A mocinha que usava turbante, tinha amantes e maltratava os empregados. O fazendeiro que usava peruca e mandava matar inimigos. O padre que se apaixonava. O ator de cinema malandro e mulherengo. Um lobisomem. Um prefeito que era mandado pela mulher.
Tudo completamente contra a telenovela tradicional. O autor, comunista de quatro costados, usou elementos que rompiam com tudo o que era estabelecido pelo gênero e com muito do que a sociedade capitalista de direita brasileira acreditava. Resultado? 100 pontos de audiência em dois capítulos, audiências altíssimas em todos os outros e a consagração da novela das oito da Globo como o maior produto de entretenimento do país.
A série House também pode ser um exemplo de anti-clichê que deu certo. O casal principal da série é formado por dois amigos (House e Wilson), House é viciado em analgésicos, egoísta, hostil e vai contra todas as regras da ética médica para curar seus pacientes. O mundo amou a personagem vivida por Hugh Laurie e a série faturou milhões. Breaking Bad e House of Cards, bem mais recentes, são grandes exemplos de narrativas onde o estabelecido toma um solene pé na bunda.
Será que depois de pensarmos sobre esses dois exemplos ainda dá pra imaginar um roteiro perfeito?
Existem centenas de bons livros que falam do assunto. Indico o próprio Robert Mckee e seu livro STORY, um excelente guia de ideias e dicas sobre essa arte tão meticulosa. Outro que tenho em casa e adoro é O PODER DO CLÍMAX, do brilhante Luiz Carlos Maciel.
No site Roteiro de Cinema (http://www.roteirodecinema.com.br/livros/livros_arte_tecnica.htm) existem diversas dicas de bons livros sobre o tema.