Diz o velho deitado: “De onde não se espera nada é que não sai nada mesmo”. Ou seria: De onde não se espera nada é que saem as coisas mais malucas? Não sei bem. O fato é que, mais uma vez, fui escalado como infiltrado, desta vez para cobrir o ato da Força Sindical no 1º de maio.
Mas em algum momento, entre a minha humilde morada e a Praça Campo de Bagatelle, eu acabei caindo numa espécie de buraco negro e fui teletransportado para uma espécie bizarra de programa de auditório de segunda.
{{Silvio Santos, versão filme pirata feito em casa, distribui bonés}}
Talvez tenha sido minha insônia ou a ressaca {{que também sem a cachaça, ninguém segura esse… rojão.}}, mas o fato é que fui chegando na tal praça e vi uma horda de vendedores de picolé, ou queijo na brasa, não sei bem… Concluí que não era possível estar na praia em plena capital Paulista e resolvi desafiar meu próprio intelecto para uma conversa.
Fui conversar com um deles que, para desespero do meu estômago, informou que não havia mais queijo coalho na brasa. O isopor azul era, na verdade, uma urna para receber cupons dos participantes do sorteio.
SORTEIO? OBA!!!
A Força Sindical estava sorteando 19 HB20 {{que vem a ser um carro, não aquele tipo de lápis que a professora do primário mandava comprar. CALMA, BETO RICHA!! Eu só citei uma professora, não joga bomba nimim por obséquio!}}. A regra é clara, Galvão: Para concorrer você precisa preencher o cupom respondendo à pergunta: “Qual a central sindical que faz o maior 1º de maio do mundo?”.
Com fome, com sono e sem queijo coalho, corri atrás do prejuízo e fui buscar o meu cupom. E eis que ganho, de presente, uma chantagem:
O colega que circulei de vermelho aí da foto possuía alguns cupons. Fui até ele, porque o vi dando pelo menos dois cupons. Pedi um:
– Oi, eu vi que você tem uns cupons do sorteio, pode me dar um?
– Então, eu estou colhendo assinaturas para a fundação do Partido Social, o PS30.
– Ah, que bacana. Me dá um cupom, então?
– Você assina?
– Eu tenho que assinar para ganhar o cupom?
– É, assina e eu te dou um cupom.
Eu não posso afirmar que todo mundo que ganhou um cupom da Força Sindical no 1º de maio passou por semelhante chantagem. Posso afirmar que, além de mim, outras duas pessoas passaram. Isso eu vi.
E como ladrão que rouba ladrão ganha um pão {{ou algo assim}} eu assinei com um nome, digamos, novo. Ou, em outras palavras, falsifiquei uma assinatura. E, maldita ressaca, fiquei olhando aquele logo do tal PS30… Estaria eu em 2010 ?
Pego meu Delorean
e volto ao 1º de maio da Força Sindical. E enquanto aquele Sílvio Santos esquisito distribuía bonés, eu segui para a área da imprenÇa. Fui obrigado a participar de uma oração e ouvir um cover do Padre Fábio de Melo {{ou seria cover do Padre Marcelo ? Sou péssimo para o show business}}. Mostrei meu crachá e o segurança liberou minha entrada. Começava ali o Maravilhoso Mundo da Área VIP.
Pausa para explanações sobre a cidade de São Paulo
São Paulo é a capital mundial do Gourmet. Aqui picolé vira paletta, x-salada vira hambúrguer gourmet e até a famigerada coxinha tem sua versão. Aqui barraquinha de comida é food truck, banco é parklet. Os paulistanos temos um gosto bastante peculiar em pagar muito mais caro por uma meleca qualquer desde que o nome dela venha acompanhado da palavra gourmet.
Fim da pausa para explanações sobre a cidade de São Paulo
Logo na entrada da Área VIP, uma Bombeta-Truck-Gourmet da Força Sindical vendia bonés e camisetas sem nota fiscal. Sim, o Silvio Santos do B estava distribuindo ao populacho bonés muito semelhantes. Mas um VIP não aceita boné distribuído. Um VIP compra sua própria bombeta {{bombeta é o nome que o populacho dá ao boné}}!
Na área VIP, além da lanchonete e uma visão privilegiada do palco, shows privê {{EPA!}} faziam a alegria da moçada. Um deles protagonizado por uma tentativa de Paula Fernandes:
Camila Castro é o nome da moça. E, verdade seja dita, ela canta direitinho. Não tinha a menor ideia do que diabos fosse a lei da Terceirização, principal tema do dia, em tese. Mas, cantar, canta até direitinho.
E se a moça não sabia, nossos colegas bem mais célebres João Bosco e Vinícius também não sabiam. Vocês não têm ideia da dificuldade que foi descobrir quem eram os figuras à minha frente. Pedi ajuda aos universitários e prontamente o Pedro Alexandre, do Farofafá me esclareceu, eu não estava em outro espaço-tempo {{ufa!}}. João Bosco e Vinícius é o nome de uma dupla sertaneja famosíssima, ainda que eu nunca tivesse visto mais gordos…
A verdade é que ninguém ali, ao menos entre os que pude entrevistar, tinha a mais vaga ideia do que fosse a lei da terceirização.
Vou tentando me infiltrar no meio da galera que ouvia, enlouquecida, Zezé di Camargo & Luciano dizerem:
É muito importante saber o que a gente quer do país. A gente tem o melhor povo do país, que faz com que o país continue andando.
É tanto país numa frase só que eu cheguei a ficar tonto. Então é preciso saber o que a gente quer para o país. Por exemplo, chantagem para participar de um sorteio, área vip com venda de black label {{enquanto do lado de fora os trabalhadores se esmagavam em uma grade. Tanto que Paulinho da Força – ou Sílvio Santos pirata – chegou a parar um discurso para pedir calma. E aproveitar para chamar o prefeito Fernando Haddad de vagabuuuuundo, num momento cover de Gilberto Kassab}}, show privê e venda sem nota fiscal.
É muito importante saber o que a gente quer do país. De fato.
E enquanto tentava me infiltrar no palco fui levado a conversar com Miguel Torres, presidente da Força Sindical, que confidenciava a uma repórter: “Não sabemos quantas pessoas estão aqui hoje. Pedimos para a PM contar, mas eles não deram resposta nenhuma. Vamos anunciar 1 milhão“. Eu perguntei a quatro oficiais do bombeiro que faziam a segurança do lado de trás do palco e a resposta foi a mesma: “Nós não temos condições de fazer essa contagem, nem a PM. Precisaria de vista aérea“.
Era 12h04, precisamente, quando Miguel conversou com a repórter {{que, empolgada e serelepe que só ela, respondeu: na CUT está fraco! Infelizmente não consegui descobrir para qual facção da mídia ela trabalha}}. Pouco depois, 12h23 {{eu sou chato com horário}}, dois PMs subiram para falar algo com alguém da produção. Eu perguntei qual a contagem. A resposta? “Estimamos por volta de 1 milhão de pessoas“.
Obviamente a PM não deu esse posicionamento oficial, especialmente depois do ridículo das manifestações da Copa pelo impeachment. Ainda mais quando obviamente não tinha ali mais que 15 mil pessoas.
Momento do “ato político”, olho a multidão que só se empolgava quando alguém parava de falar. E logo desempolgava porque alguém mais ainda iria falar. Termino meu dia de trabalho ouvindo Paulinho da Força e Aécio Neves fazerem um discurso empolgado contra a Dilma Rousseff.
Duas figuras que simbolizam bem a maior festa do 1º de maio do mundo. Celebridades do segundo escalão, loucos para uma manchete, sedentos por não serem esquecidos entre um “chora me liga” e um “bundalelê”.
Muito bom o texto. Leve, sarcástico, principalmente quando retratou a área VIP da festa do trabalhador da força sindical como a revolução dos bichos de Orwell: alguns trabalhadores são mais iguais do que outros.