Este blog já falou sobre a atual mídia no Brasil. Especialmente no Editorial: Lacerdismo 2.0, onde expusemos o padrinho do que hoje se chama de jornalismo e que acaba obrigando as mídias nem-sempre-alternativas a cumprir um papel mais panfletário do que jornalístico. Mas e a verdadeira mídia no Brasil? Já houve?
Pois eis que resolvemos visitar os primórdios das bibliotecas sujas e usar um pouquinho daquilo que hoje é proibido nas redações dos grandes {{e livres?}} jornais do país, doravante cérebro; para recordar num momento utópico de esperança num futuro que certamente não virá, coisas boas que o jornalismo nacional já fez.
O primeiro jornal, digamos, alternativo {{no pré e pós ditadura}} foi o Binômio:
Publicado pela primeira vez em 17 de fevereiro de 1952, o jornal circulou até 1964. Marcado pela irreverência e humor ácido, o jornal começou fazendo oposição ao governo JK, que acabara de cunhar um plano chamado: Binômio: Energia e Transporte. Foi dali que José Maria Rabelo e Euro Arantes tiveram a ideia para Binômio: Sombra e Água Fresca.
É fato, não há concorrência para o Binômio até hoje.
O jornal foi fechado em 1964, 2 meses antes da instituição da ditadura militar. Não sem antes denunciar um general que havia se posicionado em favor do fascismo no passado, com a manchete bastante sugestiva:
“O Democrata de Hoje é o Fascista de Ontem”
A manchete levou o tal general a procurar o jornalista responsável que… Bem, ouça a história:
Passado o golpe de 1964, o jornal foi fechado. Mas as mídias alternativas continuaram. Uma das mais famosas seguiu viva mesmo após o golpe.
Publicada por Millôr Fernandes, o “Pif-Paf” era uma seção na revista “O Cruzeiro”, produzida por Millôr com o pseudônimo Emmanuel Vão Gôgo, juntamente com o ilustrador Péricles Maranhão (a partir de 1955, Millôr assumiu sozinho a produção). A partir de 1964 a edição virou mesmo uma revista independente. Ela contava com cartunistas como Jaguar, Ziraldo, Claudius, Fortuna e textos de Sérgio Porto, Rubem Braga, Antônio Maria, etc.
Mas a advertência que fechou de vez o Pif-Paf veio com os seguintes dizeres:
”QUEM AVISA, AMIGO É: SE O GOVERNO CONTINUAR DEIXANDO QUE CERTOS JORNALISTAS FALEM EM ELEIÇÕES; SE O GOVERNO CONTINUAR DEIXANDO QUE DETERMINADOS JORNAIS FAÇAM RESTRIÇÕES À SUA POLÍTICA FINANCEIRA; SE O GOVERNO CONTINUAR DEIXANDO QUE ALGUMAS PESSOAS PENSEM POR SUAS PRÓPRIAS CABEÇAS; SE O GOVERNO CONTINUAR DEIXANDO QUE ALGUNS POLÍTICOS TEIMEM EM MANTER SUAS CANDIDATURAS; E, SOBRETUDO, SE O GOVERNO CONTINUAR DEIXANDO QUE CIRCULE ESTA REVISTA, COM TODA SUA IRREVERÊNCIA E CRÍTICA – VAMOS ACABAR CAINDO NUMA DEMOCRACIA.”
“o PIF-PAF Paf foi fechado por um conluio entre o governo federal e o governo estadual aqui [no antigo estado da Guanabara], que naquela época era o Carlos Lacerda…. não tive forças para lutar, eles começaram a apreender um número, depois devolveram o número, depois o oitavo número eles apreenderam todo e eu não tinha mais dinheiro para fazer” conta Millôr
Lacerda, aquele que já citamos no artigo, e que você pode conhecer nesse outro texto do blog. Mas não parou por aí, obviamente.
Em 1º de abril de 1964 o jornal do partidão {{Partido Comunista}} “Novos Rumos” saiu em edição histórica, anunciando o golpe, que naquele momento já estava em curso:
Três anos depois, em 1967, nascia “O Sol”, aquele mesmo da música do Caetano {{“O Sol nas bancas de revistas… me enche de alegria e preguiça… quem lê tanta notícia? Eu vou…}}, com o intuito de criticar o jornalismo da época. A ideia de Reinaldo Jardim era montar uma faculdade, mas por falta de verba acabou fazendo mesmo só o jornal, que circulou por 6 meses.
No mesmo ano, os estudantes da filosofia da USP lançavam o “Amanhã”, o jornal no começo era financiado pelo Grêmio Estudantil, na Maria Antônia. O jornal durou 7 edições {{era semanal}}, por falta de verba. O diagramador, Tônico Ferreira conta que recebeu apenas um salário, pago por José Dirceu {{à época presidente da UPES – União Paulista dos Estudantes}}. Dirceu fez um pedágio na Maria Antônia e com o dinheiro arrecadado pagou o profissional. No “Amanhã” trabalhou Raimundo Pereira, que além deste jornal ainda foi responsável pelos “Opinião” (1972) e “Movimento” de 1975.
Em 1965, um ano após a ditadura, surge o jornal “Voz Operária” do partidão. A publicação era comandada por ninguém menos que Orlando Bonfim Júnior, jornalista desaparecido na ditadura {{supõe-se torturado, morto no DOI-CODI e jogado num rio}}. A “Voz Operária” foi o mais longevo dos jornais clandestinos, encerrando-se apenas em 1975.
Já o “Libertação” surge em 1968 e circulou por 7 anos, também na clandestinidade. Com uma média de 8 edições por ano, seu editor do início ao fim foi Carlos Azevedo:
Também em 1968 nasce o “Guerrilheiro” comandado por ninguém menos que Carlos Marighella e pertencia à ALN – Ação Libertadora Nacional, que defendia a luta armada contra a ditadura.
Finalmente, em 1969 nasce o famoso Pasquim. Com uma equipe que contava com Jaguar, Ziraldo, entre outros. O pai do Pasquim foi Sérgio Porto, conhecido jornalista dos anos 60 e 70, criador de personagens igualmente famosos como Stanislaw Ponte Preta, entre outros. Inspirado na figura quase mitológica do Barão de Itararé, o jornal circulou por anos.
O nome teria vindo do cartunista Jaguar: “Já que vão nos chamar de Pasquim mesmo, vamos dar este nome ao jornal”. Pasquim era sinônimo de Veja jornal sem credibilidade. Com colaborações de Chico Buarque, Antônio Callado, Rubem Fonseca, Odete Lara, Gláuber Rocha e diversos intelectuais cariocas. Vendia cerca de 100 mil exemplares por semana, quase todos em bancas, mais do que as revistas Veja e Manchete somadas. Em 1970 foi alvo de dois atentados a bomba.
A revista Bundas lançada em 1999 foi uma tentativa de reedição da revista. Uma das charges mais famosas foi a de Dom Pedro, às margens do Ipiranga, que resultou na prisão de boa parte da redação do jornal:
Em 1972 nasce o “Opinião” um jornal abertamente político e contrário à Ditadura, de um trato com Fernando Gasparian, empresário perseguido pela ditadura militar. Grandes intelectuais escreveram no jornal. Figuras como Antônio Cândido, Celso Furtado entre outros. FHC também escreveu nesse jornal, que conseguiu um acordo com o “Le Monde” para dar credibilidade ao jornal, que foi referência editorial.
Mais tarde, com a abertura política promovido pelo Geisel, em 1975 os jornalistas recém demitidos de “Opinião” criam “Movimento”, jornal dirigido por um conselho que era eleito democraticamente por toda a redação e financiado por cerca de 300 pessoas.
O jornal já nasce censurado, em sua primeira edição. Por conta de uma edição censurada sobre o trabalho das mulheres, nasce o jornal feminista “Nós, mulheres” que escapava da censura graças ao preconceito dos censores que o achavam irrelevante.
Em 1977 nasce “Maria Quitéria” que a princípio atuava como o boletim oficial do Movimento Feminino Pela Anistia (MFPA). Tanto o MFPA quanto o jornal, eram dirigidos pela advogada militante Therezinha Zerbine.
Em 1978 o jornalista e dramaturgo Aguinaldo Silva lança o jornal “Lampião da Esquina”, feito por jornalistas homossexuais. O nome do jornal, que se refere ao “rei do cangaço”, ícone do machismo e rendeu boas risadas.
Em 1981 nasce o “Mulherio”, que nasce justamente para contrapor o próprio dicionário que não continha nenhuma acepção positiva às mulheres, como forma de subverter essa significação.
Não é possível citar todos os jornais e folhetins alternativos, como não é possível encontrá-los hoje. Não há resquícios de vida inteligente no jornalismo existente hoje em dia. Este blog e outros blogs independentes, anônimamente, tentam repor estas lacunas.
Uma pena que quem tem meios para essa expansão esteja mais preocupado em tornarem-se protagonistas de movimentos alheios enquanto gritam por liberdade. A imprenÇa alternativa resiste e resistirá, porque é disso que somos feitos.
E quem sabe este post não inspira você, que está lendo, a compartilhar outros veículos {{este também, que nóis percisa!}} e até mesmo a criar o seu. Um dia, quem sabe, seremos de verdade e de fato, livres. Até lá, seguimos lutando.
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