4 de novembro de 2015, Mariana – MG. Na comunidade de Bento Rodrigues, por volta das 22h, ouve-se um estrondo na barragem de “Fundão”. Alguns trabalhadores retiram seus caminhões que pernoitariam próximo à barragem e levam à cidade de Mariana.
5 de novembro de 2015, Mariana – MG. Moradores ouvem novo estrondo por volta das 14h30. Mais uma vez o estrondo é entendido como rotina. Às 16h30, novo estrondo, a barragem de Fundão rompe-se. Um mar de lama invade a comunidade e cerca de 300 famílias que residiam em Bento Rodrigues perdem tudo.
Na verdade o distrito de Bento Rodrigues, distante cerca de 20 quilômetros do centro histórico de Mariana, foi apenas um dos atingidos.
Em horas, a lama se alastrou, soterrando casas do distrito de Paracatu de Baixo. As localidades de Paracatu de Cima, Gesteira, Campinas, Pedras, Camargos, Ponte do Gama e Borba e Bicas também foram imediatamente atingidas. A população das localidades não foi comunicada em tempo hábil de salvar objetos, bens e familiares. A lama destruiu casas, igrejas, escolas, currais, pontes, plantações e criações.
{{não acredite em mim – Nota da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale S.A.}}
Paulo César Mendes, 46 anos, era morador de Bento Rodrigues. Morava lá há 22 anos, com seu filho (17) e sua esposa. Criava porcos, vendia carvão – para a Samarco – e tinha uma plantação de bananas. Além dos inúmeros equipamentos agrícolas {{que segundo ele atingiam, juntos, o valor de quase 1 milhão; bens acumulados pelo pai e por ele mesmo, ao longo da vida}}, perdeu também um cão. “Totó era bravo como o diabo”, conta para explicar porque o cão vivia preso durante o dia.
Sua esposa lembra com os olhos cheios que não conseguiu salvar o cão preferido. Salvou outros dois, mas ele não foi possível, sob risco de perder a própria vida. “Mas acordo todos os dias pensando que se eu tivesse sido mais rápida o teria salvo.”
Encontramos Paulo justamente em uma visita à sua antiga propriedade em Bento Rodrigues. Foi lá que seu filho Guilherme encontrou a corrente de Totó, ainda esticada e cujo final se dava na lama seca.
“Eles tentaram a vida toda comprar os terrenos de Bento… Mas nunca conseguiram, porque o povo aqui nunca se importou muito com dinheiro… A gente queria era viver onde nasceu, mesmo…”, conta Paulo. Hoje, ele vive em uma casa alugada pela Samarco, em Mariana.
O mesmo fato é contado por Luciana Inácia Sales, 24 anos, vice-presidente do Instituto de Defesa dos Direitos dos Animais, ONG sediada em Mariana que ajudou no resgate dos quase 5 mil animais retirados da lama que destruiu Bento Rodrigues. Ela concorda que a Samarco quis durante muito tempo comprar os terrenos de Bento Rodrigues, sem sucesso.
Luciana e os voluntários salvaram quase 5 mil animais da lama que invadiu o distrito. Hoje, segundo a família de Paulo, os animais vivem como prisioneiros. Têm horário de visita e ficam presos. Tiveram que acionar a justiça para que o filho do casal, Guilherme {{17 anos}} tivesse direito a visitar a égua de estimação {{pelas regras, menores de idade não poderiam}}.
Não houve plano de emergência ou treinamento prévio de evacuação em nenhuma das comunidades atingidas, isso nem a Samarco nega. Prefere o silêncio.
Depois de ameaçar a reportagem em pelo menos cinco ocasiões diferentes {{parando nosso carro na estrada, inclusive}} um dos assessores de imprensa da empresa disse que a Samarco “não tem braço” para atender toda a imprensa.
Padre Geraldo, da arquidiocese de Mariana {{um dos principais articuladores das ajudas enviadas às populações afetadas no município mineiro}} é categórico em afirmar que nunca houve qualquer tipo de aviso sonoro ou treinamento. O mesmo é relatado por Letícia Oliveira, uma das coordenadoras do MAB {{Movimento dos Atingidos por Barragens}}, movimento político de aliança histórica com a arquidiocese e que faz um trabalho de conscientização e atuação com as vítimas.
No balanço das ações feitas pela empresa, entregue aos moradores mas não à imprensa, está:
Na realidade a Samarco ainda não apresentou um plano de emergência para as barragens de Santarém e Germano, barragens próximas e que não se romperam {{ainda?}} {{não acredite em mim – UOL}}. Ela instalou um sistema de sirene em Bento Rodrigues após o ‘acidente’.
O promotor público responsável pelo caso, Guilherme de Sá Meneghin, disse em coletiva de imprensa no dia 23 de dezembro, após pergunta feita por este blog, que considera o que houve um crime ambiental, ainda que – ressaltou ele – essa seja apenas sua opinião pessoal.
As casas que não foram atingidas pela lama também foram evacuadas, gerando uma onda de saques.
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Foram 8 milhões de toneladas de peixe mortos ao longo dos rios atingidos. Você leu corretamente. São OITO MILHÕES DE TONELADAS DE PEIXES, segundo a Nota da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale S.A.
A cidade de Mariana e a Samarco
Apesar disso, a população não culpa a empresa. Na verdade, foi criado um movimento intitulado Fica Samarco, para defender a estadia da empresa na cidade mineira.
E não é por acaso. Nos últimos sete anos, a cidade teve cinco prefeitos. Uma rápida pesquisa no site do TSE mostra que o secretário adjunto de comunicação, Arlindo Luís Ferreira, comprou o cargo por 10 mil reais. Doou durante a campanha e foi nomeado após a eleição do prefeito – já cassado – Celso Cota:
Entender a situação política de Mariana é fundamental para compreender o que se passa na cabeça de seu povo. Uma cidade que tem cerca de 85% do PIB ligado à Samarco/Vale e à mineração.
Segundo o vereador Cristiano, do PT de Mariana, o orçamento disponível para a universidade é equivalente aos das cidades de Ouro Preto e Mariana {{separadamente}}, cerca de 350 milhões de reais. A diferença é que em Ouro Preto há turismo, além da presença da própria universidade, o que reduz a dependência das mineradoras.
Cada emprego que a Samarco cria gera outros três. Isso faz com que quase toda a cidade tenha algum tipo de relação com a empresa.
O escultor Álvaro José da Silva lamenta. “A área de turismo em Mariana infelizmente… hoje a cidade vive só em função da mineração, os governantes que passaram por aqui não tiveram a preocupação de preservar a cidade ou divulgar o turismo”.
É a mesma opinião de outro escultor, Mestre Paiva, que trabalha no andar de baixo da Câmara dos Vereadores. “A situação já era ruim e piorou muito. A imprensa ficou anunciando que a cidade de Mariana estava toda destruída, quando o problema aconteceu há 20 quilômetros do centro histórico. Eu já disse ao prefeito que ele precisava falar diariamente na televisão que a cidade está bem e convidar os turistas a vir… Mas, ele não me ouve”.
É importante ficar claro que a cidade de Mariana, seus pontos turísticos e centro histórico não foram afetados pelo ocorrido. O poder público se ausenta de divulgar essa informação como seria esperado em um ambiente como este.
Na realidade, o poder público se omite, em tudo. Em reunião entre a comissão dos moradores atingidos, Samarco e Ministério Público, ocorrida em 13 de janeiro de 2016, a Secretária de Educação afirmou que a Samarco tem participado ativamente das escolhas de novas escolas {{temporárias, para cobrir o período letivo até que as definitivas sejam reconstruídas}} e fez questão de ressaltar que as escolas precisam ter os 200 dias letivos; as aulas começam no dia 4 de fevereiro, antes do carnaval. A ideia inicial da Secretaria de Educação era que o próprio transporte escolar fosse feito pela mineradora, ideia abandonada após um sopro de bom senso dos dirigentes da empresa.
As negociações
A pressão por uma escolha rápida tem sido marca destas reuniões. Em 22 de dezembro acompanhamos a apresentação de um projeto para condução das negociações de uma terceirizada da Samarco, a ERM {{Environmental Resources Management}}. A apresentação do plano foi feita por uma moça do Rio de Janeiro em linguagem absolutamente formal. Ao final da apresentação, o representante da Samarco, Estaneslau Klein, ressaltou que queria uma decisão naquele momento, mas que “a pressa é de vocês, não nossa”.
A empresa colocou os moradores atingidos em hotéis, inicialmente. A ideia era que os moradores fossem paulatinamente realocados em casas particulares até o final de fevereiro. Após pressão do ministério público ficou decidido que essa ação deveria ocorrer antes do Natal.
A mineradora pretendia pagar 10 mil reais como adiantamento de uma futura indenização aos moradores que residiam nas comunidades atingidas {{o que não representa o total de atingidos, visto que há casos de famílias que possuíam casas na área, mas não residiam nelas}}. Após audiência pública com a presença de um juiz, ficou determinado que haverá o pagamento de R$20 mil às famílias, sendo metade adiantamento e metade não dedutível do total que ainda será definido em juízo.
As famílias que tiveram perdas de vida com a lama receberão R$100 mil, a serem descontados do valor total futuro.
Além disso, ficou definido que os aluguéis serão pagos até que as comunidades sejam reconstruídas, e não mais por apenas 1 ano, como firmado anteriormente com os moradores.
Foram criadas comissões de moradores, na velha tática do dividir para conquistar, o que tem gerado ciúme e falta de comunicação entre eles. Além disso na última reunião, foi feito o anúncio de que dois moradores das comunidades serão contratados pela Samarco {{outros dois já foram empregados pela mineradora}}, gerando ainda mais desconfiança {{e até competição!}} entre as vítimas. Acusações de panelinhas são frequentes.
Toda a linguagem utilizada nas apresentações da Samarco nestas reuniões trata as vítimas como beneficiárias das indenizações e adiantamentos. Como se perder a sua casa fosse um privilégio e a reparação de um local para dormir, um benefício.
Seu Paulo, nosso entrevistado, passou a noite de Natal relembrando as noites em Bento Rodrigues. As comunidades eram, essencialmente, rurais e são tratadas nas apresentações da mineradora como Agronegócio, palavra que, se chegar ao juiz, exclui praticamente todos os atingidos {{por tratarem-se de pequenas produções, não grandes como o termo indica}}.
Ele e boa parte de seus vizinhos tinham casa própria e eram autônomos. Hoje, vivem de um aluguel pago por uma empresa e de ajuda de custo. Perderam muito mais do que a casa. Perderam a identidade, a autonomia e a autoestima. A crueldade fica ainda maior quando o poder público resolve se omitir, deixando aos munícipes a sensação de que ou abaixam a cabeça para a Samarco ou morrerão de fome.
E na falta de um final feliz, conviveremos com este semifinal mesmo. E com a certeza de que não houve tragédia nenhuma. Houve um crime.
Em tempo: a foto de capa desta postagem é de Tércio Texeira, do R.U.A Foto Coletivo.
Esta reportagem é resultado de uma parceria entre o ImprenÇa e o R.U.A Foto Coletivo e parte de um projeto maior onde pretendemos visitar todas as cidades afetadas e acompanhar a reconstrução de cada uma. Quer colaborar?
Saiba como enviando um e-mail para editor@imprenca.com e / ou contato@ruafotocoletivo.com
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