“Eu sou a Ana Luísa. Sempre fui insegura e cresci sendo a única gordinha da família. Aos 15 anos, entrei em dietas malucas e cheguei a pesar muito menos do que o que seria saudável, só porque não me achava bonita, atraente ou legal. Com isso, me coloquei em diversos relacionamentos abusivos, porque para mim aquilo era o máximo que eu conseguiria.
Em 2015, depois de um caso de assédio por um prestador de serviço que estava em minha casa, ofereci para as meninas do meu Facebook meus serviços de manutenção doméstica (como consertos hidráulicos e elétricos, por exemplo) e, do nada, tudo ficou grande demais justamente porque muitas mulheres precisavam daquilo.
Larguei meu emprego fixo, encontrei uma sócia, comecei cursos, dei entrevistas, estudei muito, contratei meninas e agora, 7 meses depois, estou aqui, com uma empresa toda feita por mulheres, em uma área totalmente masculina.
Até agosto do ano passado, eu me descreveria como cineasta e, a parte disso, uma curiosa sobre feminismo buscando novas oportunidades. Mas hoje talvez eu me descreva como uma empresária às avessas, que torce para que seu próprio negócio não seja realmente necessário no mundo e que tenta ser uma catalisadora de empoderamento feminino.
Quando eu olho para trás, sinto aquela estranheza de quem viu a vida mudar demais em tão pouco tempo. Os primeiros dias depois do post de anúncio da prestação de serviço foram uma loucura: centenas de mensagens me dando força e me parabenizando, dezenas de orçamentos sendo feitos e muitos atendimentos acontecendo. Na maioria, mensagens de meninas de 20 a 30 e poucos anos, com ideias feministas e que se encantavam com a ideia de contratar outra mulher. Eu me sentia (e ainda sinto) aprendendo com cada atendimento e adorava (e ainda adoro) explicar os detalhes dos serviços para elas, para que nenhum outro prestador tente enganá-las no futuro. Me sinto mais mulher, mais empoderada e mais segura a cada passo que dou e devo tudo isso às minhas clientes. Acumulei nesse pouco tempo mais histórias de que em muitos dos anos que já vivi.
Algumas delas me marcaram – e muito. Me lembro bem de setembro de 2015 em que, num dia normal de trabalho, fui atender uma cliente com uma resistência de chuveiro queimada. Ela abriu a porta meio ressabiada, mas me abraçou forte assim que entrei no apartamento – estranhei a reação, mas resolvi aproveitar o abraço mesmo assim. Seguimos o atendimento e, entre as nossas conversas, ela se demonstrou nervosa, fez cara de choro e pediu desculpas. Começou a me contar que estava há meses sem sair de casa porque todos os porteiros do prédio eram homens, que comprava comida pela internet e pedia para a vizinha receber por medo dos entregadores. Inicialmente, fiquei confusa e não entendi o por que de tanto medo, até que ela me explicou exatamente qual era a situação: “É difícil admitir, mas me pegaram quando voltava da aula à noite. Ando com tanto medo que se não encontrasse você ficaria três meses tomando banho gelado“.
Aquilo me partiu o coração, desci da escada em que estava para trocar a resistência e a abracei muito forte. Choramos juntas. Saí de lá com a certeza de que a minha nova profissão não era só sobre dinheiro, mas também sobre uma forte responsabilidade social que eu teria, e que deveria ser a linha de frente da empresa. Essa é a primeira vez que conto essa história em detalhes e, antes de fazer o relato, fui conversar com ela pra ver se seria tudo bem. Ela me mandou a seguinte mensagem:
Não é fácil ser prestadora de serviços. Quando ousamos sair de determinados moldes, os preconceitos nos atingem sem dó, e eu acabei entendendo na marra a importância do valioso conselho “não leia os comentários“. Em notícias de portal, em vídeos ou em posts da nossa própria página, foram muitos aqueles com o puro objetivo de me colocar pra baixo e me fazer desistir. Apesar da dificuldade em não absorver tudo aquilo, na internet você ainda tem a opção de fechar tudo e seguir com a vida. Mas e quando é na vida real, o que a gente faz?
Certa vez, fui atender uma cliente e, durante o atendimento, fiquei no mesmo recinto que o marido dela que, incomodado com o fato do serviço ser feito por uma mulher, resolveu que seria ali um ótimo momento para destilar seus preconceitos e agressões. Começou me chamando de mentirosa, desvalorizando meu trabalho e botando em cheque o preço que eu estava cobrando. Depois, disse que se ele tivesse a ferramenta necessária, já teria executado o serviço e de forma melhor, porque eu era uma mulher jovem e ele um homem experiente.
Quando não é na internet, é muito mais difícil lidar com esse tipo de situação absurda. Me irritei muito, expliquei toda a situação para a esposa dele e ressaltei o quanto aquela situação era exatamente o motivo da existência da minha empresa e do meu serviço. Eu não iria aceitar que duvidassem da minha integridade e a qualidade do meu trabalho apenas por ser mulher. No entanto, não consegui prosseguir o serviço e precisei ir embora dali imediatamente. Me senti destruída e, mesmo tentando lidar da melhor forma possível, me senti fraca e impotente. Mais tarde, ao desabafar, recebi inúmeras mensagens de apoio de outras mulheres, que me lembraram que eu não sou fraca, e sim forte por não baixar a cabeça pra esse tipo de situação. Nesse dia, percebi que a gente cresce mesmo é quando cai.
De mulher pra mulher, mas bem melhor do que Marisa
Nestes meses de trabalho, também acumulei muitas histórias bonitas, como as vezes em que clientes ultrapassaram a barreira da mera prestação de serviço e se tornaram minhas amigas. Como aconteceu logo nas primeiras semanas de atendimento, quando peguei um apartamento praticamente vazio, judiado pela ação do tempo, com um potencial incrível, mas que a cliente só queria a instalação de varais de teto, para que pudesse lavar a própria roupa logo.
Pouco tempo depois, a mesma moça me chamou para mais alguns trabalhos. Acabamos fechando um pacote de serviços que fez com que eu e a minha sócia (na época ainda recém chegada) ficássemos mais de 100 horas distribuídas em 2 meses na casa dela. Trocamos a pia do banheiro, montamos móveis e instalamos lustres, redes, prateleiras. Além disso, tomamos chá, almoçamos, conversamos, dividimos experiências e fomos criando um vínculo.
No dia em que finalmente terminamos todos os serviços combinados, saímos todas para beber juntas, eu, a cliente e a minha sócia. E ali naquela mesa de um bar qualquer no Vale do Anhangabaú, entre todas as histórias que dividimos umas com as outras, percebi que ela não era mais só uma cliente, eu estava formando uma amizade real, um verdadeiro exemplo de que mulheres que se ajudam e se apoiam crescem cada vez mais.”
Conheça mais a M’Ana – Mulher conserta pra Mulher:
Ana Luisa tem como sócia, a arquiteta Katherina Pavloski. Além dos serviços prestados por elas, a empresa – que só cresce- tem aumentado a equipe de trabalhadoras e feito, também, oficinas de formação com outras mulheres, para serviços do dia-a-dia. Para contratar o serviço da M’Ana – Mulher Conserta pra Mulher, você pode entrar em contato pelos números 11 94400-0863 (Ana) ou 11 96731-4681 (Katherine)