Giovana Moraes nasceu em Santo André e mora no Rio de Janeiro. Está em plena ascensão profissional. Trabalhando na TV Globo há mais de uma década, atualmente está na Universidade Veiga de Almeida coordenando o curso de Pós-Graduação em Roteiro para TV, Cinema e Multiplataformas em parceria com Pedro Salomão.
O curso começa no dia 8 de abril e quer que o aluno aprenda técnicas avançadas de roteiro com professores que fazem parte do mercado de trabalho. “O curso tem uma turma em andamento, mas teve outra já formada. O nosso desafio foi o de reformular a grade de disciplinas para ajustá-la à realidade do mercado atual”.
Em seu perfil no LinkedIn ela se define como uma jornalista com formação em cinema e jornalismo literário, pesquisadora audiovisual com anos de experiência, autora-roteirista. Ex-aluna da badalada San Antonio de los Baños – Escola de Cinema e Televisão de Cuba, Giovana é uma mulher de esquerda, feminista e segura de seu pensamento humanista.
Ela sabe que o pensamento de esquerda tende a olhar com olhos enviesados para a maior emissora de televisão do país, mas não vê contradições dramáticas a serem superadas. Ressalta que seu pensamento é respeitado lá dentro e que não renuncia a um pensamento independente. Começou trabalhando com Glória Perez e já escreveu com outros autores diversas novelas, programas de entretenimento e seriados.
Bati um papo com ela via chat do Facebook onde ela fala do Brasil e de sua profissão.
Giovana, você é uma mulher de esquerda, feminista, de pensamento moderno e libertário. Você acha que a televisão gosta de profissionais com o seu perfil?
Não consigo avaliar se a televisão, essa “entidade” como um todo, gosta, aceita meu perfil. A questão é: sou feminista, de esquerda, humanista. Não há como modificar isso, há como modificar meu emprego, mas nunca foi necessário. Jamais vi a TV Globo coibir seus autores. E lá estiveram grandes esquerdistas, como o Dias Gomes. Acho que em torno da Globo há uma “lenda”, na medida em que ela esteve muito presente na ditadura militar, e de forma nada bacana. Mas, veja, estou falando da parte de criação, não do jornalismo. Há uma diferença aí. No mais, tive meu contrato renovado por mais três anos. Se eu fosse um empecilho, estaria na rua, como – infelizmente – tantos ótimos companheiros.
Ivani Ribeiro e Janete Clair são, sem sombra de dúvida, as maiores autoras da telenovela brasileira. Mesmo tendo duas mulheres fortíssimas como estas em sua origem, durante anos a telenovela foi mais masculina. Hoje temos Duca Rachid, Thelma Guedes, Glória Perez, Lícia Manzo, Maria Adelaide Amaral, Manuela Dias e tantas outras mulheres abrindo espaço neste mercado. Como você avalia esse fenômeno?
Acho que é próprio do nosso tempo, e torço para que isso só se acentue. Não porque mulheres escrevam melhor – ou pior – mas é nosso já tão falado “empoderamento”. Rezo para mais negro na TV. Torço por um negro, uma negra numa cabeça de novela. Sempre estamos um tantinho atrás, mas a coisa está rolando. E bonita. Enquanto a dramaturgia não abarcar toda difícil e multifacetada sociedade brasileira, ela só vai perder.
A TV brasileira está atenta a novos talentos que surgem país afora? Onde fica a ideologia na construção das cenas que você escreve?
Acho que a TV Globo está atenta aos talentos lá de fora. Às vezes mais do que aos de dentro. (risos) A minha ideologia está presente no que falo, faço, visto, com quem trabalho, com quem bebo cerveja. É inerente a mim. Mas uma novela não tem que ser panfletária. Antes, tem que ser uma obra de entretenimento com consciência do seu papel. Atingimos muita gente, muita. Gloria Perez, minha mentora, me ensinou como uma cena, apenas uma, pode ser relevante para quem assiste. Agora ela vai falar dos trans. Meu Deus! Isso é lindo! Vai dar voz e vez. Pobre do autor que se acovarda.
Como está o Brasil, Giovana? E o que você gostaria que acontecesse?
O Brasil está sob um golpe escancarado e uma guerra civil não declarada. O que eu quero são eleições limpas. Para ontem. E, claro, gostaria que o povo da minha terra – do mundo – percebesse que estamos sob o poder do capital, que tem suas artimanhas, comandados por seus filhos e sofrendo as consequências de um sistema que é um fim pela sua própria característica principal: a concentração de renda.
Qual o caminho da esquerda para voltar a atrair a classe média, que, como sabemos, é a classe social que mais contribuiu para a queda do governo Dilma?
Para atrair todo mundo temos que contar boas histórias e que sejam, a seu modo, retratos do que vivemos. Sempre digo, e como sempre digo vou dizer agora, que muitos autores e colaboradores são oriundos de uma mesma classe social – o que é notório pela formação, pela falta de negros entre os autores, que são apenas três, se não me engano. Essas pessoas precisam perceber o outro, o cara que às cinco da manhã tá pegando o trenzão com a marmita balançando. E mais! Que os filhos destas pessoas estejam entre nós, sejam nossos pares. Vivemos uma sociedade desigual, qualquer empresa reflete isso. Outra coisa que me incomoda é a autoreferência. Ok, você sabe exatamente o capítulo em que Odete Roitman morreu, mas nunca leu Hannah Arendt. Pelo amor. Volta para o fim da fila. Sabe tudo sobre programa de auditório, mas nunca viu um Glauber. E eu detesto Glauber… (Risos)
Você acha que um dia o golpe de 2016 será mostrado num produto de teledramaturgia?
Um dia, como foi “Anos Rebeldes”. Agora, em uma trama ou outra. Mas como eu disse, a novela não tem que politizar. Nem fazer discurso. Só precisa lembrar que tem um papel social.
Onde a Giovana Moraes estará daqui a dez anos? Haverá lugar para a poesia?
Eu? Eu vou estar estudando, escrevendo, beijando na boca, fazendo meus discursos de botequim e rompendo a realidade com esta poesia que você diz. A vida sem rima é chata. Sem dor, vazia. Sem alegria, insana.