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Antes de mais nada, você sabe o que é Big Data? Este artigo contextualiza seu conceito e a referência que se faz quando a expressão é associada ao termo guerra híbrida.

Big data se refere ao sistema de coleta e análise de dados em massa de indivíduos e sociedades, cujas análises permitem inferências – utilizando-se ferramentas analíticas da sociologia, da psicologia, da engenharia social e da inteligência artificial, além de elementos que parecem saídos de filmes de ficção, como espionagem em massa via SmartTVs, controles​ ​de​ ​mercados​ ​por​ ​​algotraders​ ​ {{troca de dados entre empresas}} ​e​ ​implementação​ ​de​ ​agendas políticas através de algoritmos.

Já a guerra híbrida é um conceito surgido nos estudos da polemologia – inaugurados pelo sociólogo Gaston Bathoul – e define a estratégia militar que combina elementos de guerra convencional, guerra irregular e guerra cibernética. Neste artigo, o conceito de guerra híbrida estará relacionado às ações no campo da guerra cibernética e da guerra irregular, embora​ ​envolva​ ​outras dimensões.

Para dar uma dimensão do assunto, é possível recorrer a uma anedota destas de whatsapp que está rolando desde 2011 pela internet, com várias versões. Leiam:



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Alô! De onde falam? | Google´s pizza| Mas este telefone não era da Pizzaria do Gordo? | Sim senhor, mas a Google comprou | Ok, anote meu pedido | O Senhor vai querer a de sempre? | A de sempre? Você me conhece?| Segundo nossa planilha de dados do identificador de chamadas, nas últimas 12 vezes, o senhor pediu meia quatro queijos, meia calabresa, massa grossa | Tá! Vai esta mesmo… | Posso sugerir-lhe, desta vez, meia ricota e meia rúcula com tomate seco? | O quê? Odeio verduras | É que seu colesterol não anda bom, senhor… | Como você sabe?! |

Cruzamos o número de sua linha fixa com seu nome, pelo guia de assinantes. Temos o resultado dos seus exames de sangue dos últimos 7 anos.

Além disso, segundo dados da seguradora, o senhor tem consultado um cardiologista | Ok, mas eu não quero essa pizza! Já tomo remédio | Desculpe-me, mas o senhor não tem tomado remédio regularmente! Pelo nosso banco de dados comerciais, faz 4 meses que o senhor adquiriu uma caixa com 30 comprimidos para colesterol com desconto na Rede Drogasil, onde é cadastrado. Parcelou a compra em 3 vezes sem acréscimo, conforme informações da administradora do seu cartão Visa final 5692 | Posso ter comprado com cheque ou dinheiro, seu espertinho! | Só se foram reais não declarados. O senhor emitiu apenas 2 cheques nos últimos 3 meses, segundo seus dados bancários. Suas retiradas em dinheiro costumam ser de R$ 750,00 e ocorrem pouco antes do dia 10,

possivelmente para pagar sua empregada que recebe esse salário desde maio | Até o salário da empregada? Como você sabe?! | Pelo valor do INSS que o senhor recolhe mensalmente através do banco online | Vá se danar, seu metido! | Me desculpe senhor, utilizamos tais informações apenas com a intenção de ajudá-lo |

Chega! Estou de saco cheio de google, facebook, twitter, whatsApp, tablets, falta de privacidade. Vou para as ilhas Fuji ou, sei lá, para outro lugar sem internet, TV a cabo, onde celular não dê linha e com ninguém para me vigiar | Entendo senhor… Só uma última coisinha… | O que foi agora? |Seu​ ​passaporte​ ​está​ ​vencido.

 

Uma anedota de nossos tempos. Ou, uma forte evidência da penetração na intimidade humana por grandes corporações de ​big data e inteligência artificial.

Esqueça os limites técnicos

Recentemente, artigos publicados em jornais e revistas do mundo todo​ deram a real dimensão da capacidade de extrair perfis bio-psico-sociais das interações humanas por meios eletrônicos – principalmente o smartphone – e utilizá-los para elaborar uma comunicação dirigida pela análise de ​big data.

A inteligência artificial está aprendendo por meio de nossa interação nas redes sociais. O jornal ​The Guardian, por exemplo, expôs as relações de um gênio da informática e bilionário da internet, Robert Mercer, descrevendo seu financiamento de centros de estudos e institutos – como a ​Cambridge Annalytica​ e o ​Government Accountability Institute​ – para aprimorar as ferramentas de análise de dados e a penetração dos produtos de marketing político de direita.

Para isto, Mercer criou uma extensiva rede de sites, páginas e perfis em redes sociais, processados nessa intricada indústria de comunicação política de massas. No Brasil, esse artigo repercutiu primeiro no ImprenÇa. Mais tarde, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, também fez menção ao ​Cambridge Annalytica.

O Big Data e suas análises

Outro artigo importante para este debate é o dos jornalistas Von Hannes Grassegger e Mikael Krogerus, publicado na revista alemã ​Das Magazin n° 43, em 3 de dezembro último, traduzido por Inês Castilho e veiculado no blog ‘Outras Palavras’, do jornalista Antonio Martins no começo de fevereiro deste ano.

O artigo original tinha um título cuja tradução livre poderia ser: “Eu não construí a bomba, apenas tenho mostrado que ela está armada“, palavras de Michael Kosinsky, psicólogo que criou uma metodologia de psicometria baseada na interação dos indivíduos com o Facebook. Com ela, é possível estabelecer o perfil do público-alvo de campanhas de marketing comercial, político, de guerra, de propaganda, de lawfare, entre outros, permitindo segmentar as mensagens para cada público-alvo com objetivos como os propagados por Leave.EU, que levou à vitória do Brexit, movimento responsável pela saída da Inglaterra da União Europeia, ou do ​Breitbart​, que levou à vitória de Donald Trump para​ ​presidente​ ​dos​ ​EUA.

Também liderado pelo site direitista Breitbart, o artigo “Estudo: ecossistema midiático”, publicado na ​Columbia Journalism Review, alterou a agenda da mídia hegemônica (ou grande mídia, num sentido literal), ao tratar da capacidade de agendamento (mas não só) do site financiado por Robert Mercer, movido a psicometria, robôs e inteligência artificial.

Após esmiuçarem as técnicas utilizadas pelo site ​Breitbart e demonstrarem graficamente a presença maciça deste site em um determinado​ ​ecossistema​ ​midiático,​ ​os​ ​autores​ ​concluem​ ​o​ ​seguinte:

“O uso da desinformação por fontes de mídias partidárias não é nem novo nem limitado à direita, mas o isolamento dos meios de comunicação partidários de direita das fontes jornalísticas tradicionais, e a veemência de seus ataques ao jornalismo, em companhia de um presidente [Donald Trump] igualmente​ ​‘sem​ ​reservas’​ ​(outspoken),​ ​é​ ​um​ ​fenômeno​ ​novo​ ​e​ ​distinto.

Reconstruir uma base sobre a qual os americanos [os cidadãos em uma democracia**] possam formar uma crença compartilhada sobre o que está acontecendo é uma pré-condição para a democracia e a tarefa mais importante que a imprensa enfrenta. Nossos dados sugerem fortemente que a maioria dos americanos, incluindo aqueles que acessam notícias por meio de redes sociais, continuam prestando atenção à mídia tradicional, seguindo práticas jornalísticas profissionais e fazendo referência cruzada ao​ ​que​ ​leem​ ​em​ ​sites​ ​partidários​ ​com​ ​o​ ​que​ ​leem​ ​em​ ​sites​ ​de​ ​mídia.

Para conseguir isso, a mídia tradicional precisa reorientar, não através do desenvolvimento de um melhor conteúdo viral ou caça-clique (clickbait), para competir no ambiente de mídia social, e reconhecer que está operando em um ambiente rico em propaganda e desinformação. Isto, e não adolescentes macedônios (ou indianos, etc.) nem o Facebook, é que é o verdadeiro desafio dos próximos anos. Fazer frente a este desafio poderia inaugurar uma nova era de ouro para o quarto poder”.

O trecho é bastante claro para o ponto de vista do comunicador preocupado com as bases de uma crença compartilhada {{o sonho americano, o futebol-carnaval brasileiro, etc.}}, fundamento do quarto poder com o qual os autores sonham viver uma nova era de ouro. Entretanto, o que mais chama a atenção é a descrição da capacidade do Breitbart em pautar não só a mídia de direita, mas ela como um todo. E esse sim​ ​é um​ ​fenômeno​ ​novo.

 

*Thiago Pelucio é entusiasta da tecnologia, cientista social e doutor paternidade.

**Nota da tradução

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