O candidato a deputado federal pelo PSOL, Douglas Belchior, foi citado pelo candidato a vice governador do PSOL, Maurício Costa. Douglas exigiu direito de resposta no mesmo espaço e o ImprenÇa, democraticamente publica agora o texto recebido de Douglas, sem edições.
A teoria antirracista, em geral, tem se dedicado a pesquisar e elaborar sobre o seguimento oprimido, negras e negros, e pouco sobre o grupo opressor, brancas e brancos. Isso reforça a ideia de que a opressão é um problema só do oprimido, o que, sabemos, não é verdade. Mas há elaborações teóricas, estudos e pesquisas poderosas que se dedicam a estudar e compreender o opressor, não os indivíduos especificamente, mas o sistema que naturaliza o privilégio branco, que chamamos branquitude. Sugiro aqui este texto bem inicial de Hernani Francisco da Silva, publicado pelo Geledes, e este PodCast com o professor Marcio André de Oliveira, Doutor em Ciências Políticas e professor da UNILAB. O naturalizado privilégio branco, assim como o privilégio do gênero masculino, deveria ser tema de estudo obrigatório desde o ensino fundamental.
Taí uma boa proposta para levar ao parlamento: branquitude e masculinidades como temas multidisciplinares no currículo obrigatório, desde o ensino fundamental.
Como funciona a cabeça das pessoas brancas? Em especial daquelas de famílias abastadas, classe média perfil puc-usp-zona oeste paulistana? Por que, por mais progressista, gente boa e bem intencionado que sejam, cometem atrocidades? Precisamos falar sobre isso.
Tenho amigos queridos neste seguimento. E escrevo aqui, fraternalmente, mas com seriedade.
Reafirmo aqui: A branquitude não tem limites. E me refiro agora a uma situação emblemática e especifica: o conflito que a candidatura parlamentar federal que represento tem tido com o Psol de SP, sobretudo desde a publicação de uma entrevista em que aponto contradições e o racismo institucional no partido.
Em recente entrevista ao site ImprenÇa, candidato a vice governador de SP pelo PSOL, Maurício Costa de Carvalho, foi questionado em relação ao referido tema. Ele teve a chance de propor um diálogo honesto sobre o assunto, mas preferiu reafirmar a lógica da desqualificação. Sem nenhuma sensibilidade e disposição à autocritica, defendeu o indefensável e deixou transbordar o racismo imperceptível para olhares pouco treinados. Insiste na tese de que nossa ação se pautou pelo interesse individual, e quando faz isso, ignora a legitimidade e a construção de candidaturas que nas últimas duas eleições alcançaram, sem nenhum apoio do partido, duas suplências e um número de votos muito próximo das candidaturas eleitas, abonadas pela máquina partidária. Ignoram a representação legítima e historicamente construída de um seguimento do movimento negro de São Paulo e com repercussão no país e fora dele. Sim, um segmento, afinal, o movimento negro é diverso e não há pessoa ou grupo que possa sintetizá-lo.
Mas ainda assim, um segmento respeitável e legítimo. Desconsideram-se as amplas manifestações de apoio de organizações e personalidades históricas do movimento. Não, Sr. Maurício, nossos apontamentos não são de caráter individual, em que pese o fato de o individual e o privado serem também políticos. Sugiro o ótimo artigo do professor da FGV, Thiago Amparo sobre esse papo de “individual versus coletivo” no que diz respeito ao racismo. Mauricio foi desrespeitoso e desonesto. Deixo abaixo, para que não tenha trabalho, alguns links de documentos públicos que reafirmam nossa caracterização enquanto representação legítima e coletiva.
Respeito é o mínimo que se espera de uma pessoa que visa ser vice-governador do estado com o maior número de negros, do país mais negro do mundo fora da África. Curioso é que as manifestações das lideranças brancas do Psol sobre esse assunto, nos servem para reafirmar cada um dos apontamentos e críticas que fizemos. Mauricio é apenas mais um. Em entrevista ao Nexo, o deputado Ivan Valente, questionado sobre o tema, disse que “preferia não opinar sobre a absurda acusação de que a legenda seja racista, já que o presidente do partido é negro”. Em entrevista ao 247, o presidente nacional do partido, Juliano Medeiros, disse que o presidente do partido em SP, que é negro, “recebeu bem menos e não tá reclamando”. Deixo a critério dos leitores a interpretação destas palavras. Fato é que a “neguinha atrevida” continua levando a culpa, bem como escreveu nossa pensadora Lélia Gonzales, que lembrei num artigo publicado dia desses. Leia, Mauricio. Fará bem.
Omitir os absurdos aos quais temos sido submetidos seria irresponsável e incoerente de nossa parte. Nossa campanha não é contra o PSOL, pelo contrário. Ajuda o PSOL a ser melhor, mais acolhedor com a elaboração do movimento social negro, mesmo sabendo que esta melhora não virá a partir do tratamento que dão à nossa candidatura. Mas no futuro será diferente. E teremos feito nossa parte. Seguimos construindo nossa campanha. Contra a vontade de muitos, lutaremos para eleger um mandato do movimento negro para o Congresso Nacional. Uma campanha linda, representativa e propositiva por um partido que reivindico, ajudei a construir e que nasceu para ser melhor do que é.
Como fui citado na referida entrevista, me vejo no direito de me posicionar aqui.
Em quatro longas respostas, o candidato a vice fez menção ao mérito da questão uma única vez, quando diz que: “Existe uma política afirmativa de novas lideranças, de novas referências políticas (…) Agora, se isso significa que o problema tá resolvido, não, não está.”Ou seja, no que mais importa, concordamos. Não está resolvido. E pelo jeito, não se resolverá tão cedo. E o racismo institucional continuará operando, como bem fica explícito em todo o resto de suas declarações, que comento abaixo.
O referido defendeu os critérios utilizados pelo partido para a distribuição dos recursos do fundo partidário para as candidaturas. O que significa dizer: critérios para escolher quais candidaturas terão chances de serem eleitas. Mas é preciso lembrar, em pleno 2018, a um líder de um partido de esquerda, que se enuncia “precursor de um novo ciclo”, que critérios, por mais públicos que sejam, mas que geram resultados de manutenção do privilégio branco, são critérios racistas. A pergunta que se deve fazer é: que resultados esses critérios têm gerado? Vamos olhar para eles e tomar uma iniciativa política objetiva e eficaz no sentido de reverter o resultado racializado/racista? Seria lindo um debate público sobre esse tema, não acham? Eles não tem essa coragem. Ah, e não é verdade que os critérios foram públicos, tanto que pedimos informações com base no regimento interno do partido, que nunca foram respondidas – o que caberia inclusive cobrança judicial, mas fiquem tranquilos, não faremos.
Mauricio se exibe ao dizer que o partido cumpre a reserva de 30% dos recursos do fundo partidário para candidaturas de mulheres, em função da lei. Pergunto: quem aqui acredita que dariam essa importância para a pauta, não fosse a lei obrigar?
Ele alega que minha postura incomodou grande parte da militância do partido, o que não é verdade, convenhamos. No geral, os “linha de direção” se submeteram a defender a nobre instituição partidária. A base, em grande parte, concorda com as críticas. A maioria não é linha de direção, e sim base. Inclusive muitos questionamentos internos às correntes foram feitas por militantes. Houve até militantes que se desligaram de suas correntes ou manifestaram suas inquietações também. Seguimos com o apoio de valorosos companheiros e companheiras de diversos grupos do partido.
Há, aqui, uma divergência fundamental em relação à concepção partidária. Os grupos internos que detém o comando, o poder, os cargos, os mandatos e as chaves dos cofres do partido entendem que construir o partido é estar alinhado a algumas destas forças internas. Ou isso ou nada. Se você não se submete a elas, se não for tapete dos interesses dos mandatários do partido, você não tem voz, não tem importância e pouco importa o trabalho que constrói fora dos muros do partido. Todos os que já vivenciaram ambientes de construção partidária, sindical e de movimentos mais tradicionais sabem do que estou falando. Sejamos justos, não se trata de exclusividade do Psol. Os partidos são propriedades quase privadas destes grupos. Por mais que se dilacerem internamente, há um acordo tácito entre eles, de se manterem cada qual com suas garrafas, disputando a máquina partidária, a grana e o poder. Nunca me submeti a isso. A tensão, exposta publicamente na matéria que dá origem a essa polemica, existe há muito tempo. Muitos sabem e acompanham esse desgaste há anos. Maurício sabe, mas evidentemente não pode admitir. E nisso repete a prática dos políticos caricatos que tanto criticamos.
Acredito no partido movimento, no partido sentimento, aquele com o qual as pessoas se identificam, independentemente de serem filiadas ou não, se vão à reunião ou não, se são membros de “correntes” ou não. Até porque, investimento de tempo e energia física, psicológica e financeira para a dinâmica interna, quase sempre antropofágica dos partidos, é também privilégios de uns poucos.
A armadilha, a enganação promovida por todos os partidos em relação à pauta da “representatividade negra” é assumida pelo Maurício, que o faz sem nenhum constrangimento. Ele diz que a proporção de candidaturas de negras e negros, “se não se engana”, é maior que a proporção de negros no estado de São Paulo. Acho que ele se engana, mas a questão não é esta. Assim como nos partidos de direita, candidaturas negras são fundamentais, pois trazem votos necessários para que se atinja o número total de votos necessário para a eleição dos mais bem votados do partido. No entanto, contam-se nos dedos as candidaturas negras que são alvo da priorização e investimento do partido para que estejam entre os mais votadas e, logo, sejam eleitas. Daí que o entrevistado não percebe (quero acreditar) a gravidade da afirmação. Quanto mais negros candidatos sem estrutura e sem recursos, maior o uso do trabalho, do sacrifício físico, mental e financeiro, de negras e negros, para a eleição dos escolhidos pelo partido. E o mantra se repete: bons para votar e juntar votos, mas não para ser votados e eleitos. A nós, cabe o ilustre papel de cabos eleitorais ou, no máximo, “cargos de confiança”. Resultado: elegem-se os brancos, com o apoio fundamental do voto dos negros. Gente, por favor, saiamos da conjectura, do subjetivo e vamos ao concreto: o nome disso é racismo.
Autocritica é instrumento fundamental para a construção do novo ciclo que tanto se enuncia. Autocrítica não apenas discursiva, mas com ações práticas. Só assim teremos uma esquerda ligada à classe trabalhadora, majoritariamente negra que é. Quando for mais barro e menos zona oeste, mais preta e menos colonial, mais rua e menos gabinete e mandato. Na real, deviam ter vergonha!