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Tragédia ou Crime?

O que há em comum entre Mariana e Brumadinho

Sirenes que não tocaram, indenizações em forma de adiantamento, a dependência de empresas mineradoras. O que os rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho têm em comum?

Mariana e Brumadinho

As coincidências são muitas. Em Mariana, a Samarco – uma joint venture da Vale – afirmou em 2015 que havia um plano de emergência e que realiza isso em todas as suas barragens. O mesmo ocorreu com a Vale em Brumadinho.

Quando ImprenÇa acompanhou moradores de Bento Rodrigues (Mariana – MG), em 2015, muitos relatavam que um ano antes da barragem da Samarco romper, a empresa tentou comprar seus terrenos. Afirmaram, também, que nunca houve qualquer tipo de treinamento para esse tipo de ocorrência ou toque de sirenes.

Em Brumadinho, a história se repete: perguntamos a Mário Lúcio, morador de uma casa atingida pela lama e prestador de serviço para empresas terceirizadas e para a própria mineradora, se a Vale havia tentado comprar seu terreno.



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“A convicção que eu tenho é que a Vale, na melhor das hipóteses, via uma grande probabilidade disso aí ocorrer. Eu acho que eles imaginavam não é se ia acontecer, mas quando ia acontecer.
Há menos de um ano, mais ou menos, eles contrataram uma empresa e fizeram um levantamento de altitude, de topografia, vamos dizer assim. Fizeram cadastro sócio-econômico das pessoas e dos imóveis. Quase como se fosse uma ficha de IPTU.
Resumindo, no meu entendimento eles já estavam se prevenindo para futuras ações. Aí depois fincaram aquela torre ali, que é um alarme que deveria ter tocado, mas que não tocou.”

Mário Lúcio, morador atingido pela Lama

Mário Lúcio, morador de uma casa atingida parcialmente pela Lama. |  Foto: Victor Amatucci / ImprenÇa

Fernando Nunes Araújo, 29 anos, é mais enfático. Ele perdeu o irmão, Peterson Firmino Nunes Ribeiro, 35 anos. Para a Vale, a vítima de número 84 do rompimento da barragem. Para Fernando, uma tragédia anunciada e a perda de um companheiro de vida. “Meu irmão trabalhava numa empreiteira que prestava serviço para a Vale. Fizemos o sepultamento ontem (sábado, 2). Em momento nenhum teve sirene nenhuma. Eu digo tragédia anunciada porque todo mundo que trabalhava lá sabia que aquela barragem vazava. Ninguém falava nada para não perder o emprego. Nunca teve um plano de fuga, treinamento nenhum“.

Terreno infértil

Em Serradão, bairro mais afastado do centro de Brumadinho, a ocupação principal dos moradores era a agricultura de subsistência, nos mesmos moldes do que ocorria em Bento Rodrigues. A área ficou completamente tomada pela lama e o solo contaminado, deixando dúvidas de quando – e se um dia – o terreno será fértil novamente.

Soraia Campos, moradora de Serradão questiona como seguir com a sua vida depois do ocorrido.

“A Vale diz que vai dar dinheiro de indenização, 15 mil reais. Primeiro que eu trabalho com o PRONAF, então eu pego o empréstimo do banco e vou pagando ao longo do ano. Minha dívida é maior que esses 15 mil. E depois, o que eu vou fazer com dinheiro? O que eu sei fazer é plantar e aquela terra já não serve mais para isso.”

PRONAF é um programa do Governo Federal que possui o objetivo de fortalecer as atividades desenvolvidas pelo agricultor familiar a partir do financiamento de atividades e serviços em áreas comunitárias próximas que possam melhorar a qualidade de vida das famílias produtoras. 

O questionamento é bastante semelhante ao que nos disse em 2015, um morador de Bento Rodrigues. Ele mora até hoje em uma casa alugada pela Samarco e vive de doações, já que está em área urbana e tudo que fez a vida toda foi plantar.

Em Mariana, depois de meses de negociação e após a pressão do Ministério Público, as vítimas da Samarco receberam um adiantamento de 10 mil reais da futura indenização. Até hoje a justiça ainda não fixou o valor total para que as vítimas possam ser financeiramente ressarcidas.

No caso de Brumadinho, a conta está em 15 mil reais para vítimas que foram afetadas de alguma forma pela lama da barragem e de 100 mil reais para as famílias das vítimas fatais. A se considerar o número de 400 vítimas fatais, a Vale desembolsaria, inicialmente, cerca de 40 milhões de reais neste primeiro adiantamento.

O valor de mercado da mineradora, em 2018  foi de 263 bilhões de dólares, segundo o G1.

 

Dependência da Vale

 

Foto: Victor Amatucci / ImprenÇa

Foto: Victor Amatucci / ImprenÇa

Foto: Victor Amatucci / ImprenÇa

Foto: Thiago Barcelos/LAMPIÃO

 

Em Mariana, em 2015, o então vereador Cristiano Vilas Boas (PT) afirmou que, por lá, era cerca de 85% do orçamento municipal que dependia da mineração e da Samarco. A grave dependência de uma única empresa acaba acarretando em situações que podem parecer estranhas a quem não vive nestas cidades, como o movimento “Fica, Samarco” iniciado após o crime da mineradora (ligada à Vale) em 2015.

Assim como Mariana, o turismo é pouco difundido em Brumadinho, apesar dos atrativos locais de Inhotim. Restaurantes e pequenos e médios negócios vindos de outros setores do comércio de bens e serviços prestam atendimento a trabalhadores do minério ou empresas terceirizadas das atividades da Vale.

Após o rompimento da barragem, o prefeito de Brumadinho, Avimar de Melo, afirmou em entrevista coletiva que cerca de 35% da arrecadação municipal vem da atividade da mineração. Mas se contarmos os recursos indiretos vindos desta atividade, a cidade vive quase que exclusivamente disso.

Na última sexta-feira, 31, uma caminhada em solidariedade às vítimas da barragem do Córrego do Feijão ocorreu próximo à entrada da cidade. Professor em Brumadinho, Joaquim, 43 anos, foi expulso da manifestação por segurar cartaz com críticas à Vale.

“Primeiro eles me pediram que não levantasse meu cartaz e eu concordei. Depois me disseram que eu só poderia me manifestar caso jogasse fora o material. Eu entendo isso como uma expulsão, como eu vou participar de uma manifestação se eu não posso manifestar o meu pensamento?”

Para o professor em Brumadinho, bem como para o vereador de Mariana, uma das possíveis saídas é o desenvolvimento do turismo local.

Da colonização portuguesa à Vale

Uma semana após o desastre envolvendo a Barragem de Rejeitos do Córrego do Feijão, em Brumadinho-MG, o número de vítimas fatais passa de 120.

Sabe-se que muito provavelmente este número passará dos 300, já que há mais de 200 desaparecidos e será quase impossível encontrar vítimas vivas passados tantos dias do ocorrido.

A cidade de Brumadinho tem este nome porque fazia parte da Estrada Real (Estrada Real ou Caminho Real foi o nome dado em Portugal e em todo o Império Português aos principais caminhos construídos no país, regiões e colônias). No caso de Minas Gerais, a estrada real passa também por Mariana, que sofreu com situação semelhante ao que passa Brumadinho. Lá do Alto do morro se viam as brumas, daí o nome ‘Brumadinho’.

Protesto silencioso contra a Vale no Córrego do Feijão

Protesto silencioso contra a Vale no Córrego do Feijão 

Foto: Victor Amatucci / ImprenÇa

 O “Caminho Velho”, como é chamado o trecho que percorre de Paraty à Ouro Preto, foi construído no século XVII. À época o trajeto levava 60 dias para ser feito pelos tropeiros a cavalo. Hoje é possível realizar o mesmo trajeto em 8 dias de carro ou 15 dias de bicicleta, por exemplo. 

O caminho percorre a trilha do ouro que, principalmente no início do século XVIII, era extraído das Minas Gerais e enviado à Portugal, que repassava para a Inglaterra, sua credora. Não é exagero afirmar que o ouro retirada de Minas Gerais viabilizou a primeira revolução industrial. Estima-se que 50 mil escravos foram trazidos para a extração do ouro. Não se sabe, no entanto, quantos negros escravizados morreram durante esse período.

A colonização portuguesa foi responsável por inúmeras mortes, escravidão e retirada do ouro de Minas Gerais, mas deixou um legado. A arte barroca, a estrutura física das estradas, igrejas e monumentos que hoje podem ser explorados de forma turística pelas cidades. É um legado ínfimo diante do que foi roubado do povo mineiro e das vidas escravizadas.

As duas tragédias mais recentes, no entanto, deixam outra dúvida: qual o legado que a mineração moderna deixará?

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