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Acordo com os EUA é vassalagem e mau negócio

David Miranda*

Enviado ao Congresso Nacional pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) entre Brasil e EUA é uma farsa. Assinado durante a subserviente viagem do presidente da República aos EUA, o acordo é quase idêntico ao de Fernando Henrique Cardoso, rejeitado na Câmara dos Deputados em 2001 por ferir a nossa soberania nacional.

No entanto, naquela ocasião, Bolsonaro, então deputado federal, declarou que não deveríamos “abrir mão de parte da nossa soberania para ganharmos alguns milhões de dólares por ano”.

Agora, segundo o governo, o acordo serviria para salvaguardar a tecnologia norte-americana presente em componentes aeroespaciais de modo a viabilizar a exploração comercial do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), criado na década de 1980, no Maranhão. No entanto, sob o véu de uma falsa promessa de desenvolvimento para aquela região, o texto repactuado promove, na verdade, uma série de salvaguardas políticas aos EUA, privilegiando aquele país em detrimento de nossa soberania e interesse nacional.



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Do ponto de vista econômico, a farsa do AST se constitui nas projeções esdrúxulas e sem nenhum embasamento na realidade do mercado aeroespacial mundial.

Nosso potencial competidor direto, o Centro Espacial Kourou, na Guiana Francesa, com 50 anos de existência, 1.700 funcionários e um mercado europeu cativo, gera apenas US$ 778 milhões anuais para aquele país. Como poderia o centro em Alcântara alcançar a marca de US$ 3,5 bilhões divulgada pelo governo? Bolsonaro e seus ministros não respondem a essa pergunta.

Enquanto os protagonistas desta farsa sequer apresentam uma projeção de quantos lançamentos anuais seriam possíveis, quanto de investimento seria necessário nesse momento de crise econômica e qual receita cada operação poderia gerar, os planos de expansão do CLA são anunciados a plenos pulmões. Segundo a direção do centro, a assinatura do AST significaria a criação do Centro Espacial de Alcântara, o qual ocuparia uma área adicional de 12 mil hectares na região, resultando no deslocamento de mais de 2.000 quilombolas de seus territórios.

O governo Bolsonaro não só ignora a obrigatoriedade de consultar as comunidades quilombolas de forma livre, informada e prévia —conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)— como também assume seu desejo de se livrar delas. Em resposta a Requerimento de Informação da bancada do PSOL na Câmara, o Ministério da Defesa afirmou que, caso o AST seja aprovado, “a população quilombola, que ora habita a área a ser futuramente utilizada pelo centro, será reassentada em outra área da mesma região”.

Uma tragédia anunciada: as 32 comunidades quilombolas que foram expulsas de seus territórios para a criação do CLA, entre 1986 e 1988, até hoje não têm suas terras tituladas nem receberam as reparações devidas —e, se dependesse de Eduardo Bolsonaro (PSL), presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, o acordo passaria o mais rápido possível pela Câmara. No final de junho, o deputado convocou uma reunião extraordinária do colegiado, na tentativa de aprovar o texto sem sequer realizar audiências públicas sobre o tema.

Após a oposição conseguir obstruir a votação daquela reunião e, pressionado por diversos partidos, o filho do presidente foi obrigado a ceder e anunciou que o acordo só voltará à Comissão de Relações Exteriores depois de meados de agosto.

Antes de ir ao plenário, o texto passará pelas comissões de Ciência e Tecnologia e de Constituição e Justiça, onde a batalha pelos direitos quilombolas e contra a vassalagem aos EUA também será travada. Uma parte do Parlamento está atenta a essa farsa.

David Miranda é Deputado Federal pelo PSOL – RJ

artigo publicado originalmente na Folha de SP

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