Certa vez, repliquei no meu antigo blog um texto do Leonardo Sakamoto que abordava a Comissão Nacional da Verdade e o seu importantíssimo trabalho de esclarecimento dos responsáveis por mortes, torturas e desaparecimentos durante a ditadura civil-militar brasileira.
Eis que um rapaz, até então muito educado nos comentários que fazia em meu blog, manifestou-se contrário à criação das Comissões e ao trabalho que ela desenvolve atualmente, criticando, inclusive o pagamento de salários a seus integrantes.
Então, resolvi ser bem didática, já que “bater boca” com um defensor de milico – ou parente de um – não iria resultar em nada muito qualificado.
Veja o comentário dele em relação ao texto do Sakamoto:
“Sei lá, uma justiça fora de tempo e lugar vira injustiça.
Quem iremos punir? Os mortos!
Quem pagará esta Comissão da Verdade é o dinheiro dos impostos arrecadados hoje, quer dizer, minha geração que não tem nada a ver com isto pagará a conta, salários dos participantes desta boquinha e brechas para futuras indenização de herdeiros.
Suas palavras são bonitas, mas pouco praticas.
Isto é revanchismo barato…aliás caro, muito caro.
Quer conhecer o culpado?
Eu te digo, JÂNIO QUADROS.
Um detalhe, ele já morreu!”
A minha primeira tentativa foi resolver essa pendenga num único comentário:
“Bom, não acho que a sua geração não tem nada a ver com isso. A história não é um recorte, é um processo, que precisa ser compreendido. Estudo a ditadura civil-militar no Brasil há anos e posso te garantir que você está equivocado. Ainda existem muitos torturadores vivos e também é a sua geração, por meio dos impostos, que paga os salários deles. Do mesmo modo, ainda há várias famílias esperando uma resposta sobre seus mortos, que nunca apareceram para contar o que lhes aconteceu. Veja a lista de desaparecidos no livro “Brasil Nunca Mais”. Nunca queira se imaginar na pele de um desses familiares, nem daqueles que foram torturados. O que você iria sentir com isso é indescritível!
PS: de qualquer forma, cada um tem a sua opinião. Da sua, não compartilho, mas respeito.”
Achei que a resposta era mais que suficiente para encerrar o assunto com o rapaz que, insistentemente, continuou questionando a necessidade de instauração das Comissões da Verdade:
“O golpe aconteceu em 1964, me diga qual a responsabilidade de alguém que nasceu neste ano ou nos anos depois disto? E também me diga por que você precisa de uma Comissão da Verdade [me parece que cada participante receberá 11 mil reais por mês] para interpretar os dados sigilosos que forem liberados pelo governo.
Ou pior ainda, esta comissão decidirá o que pode ou não pode ser revelado.
Você não acha que o Governo liberando os dados, nós mesmos podemos debater sobre os relatórios? Fico no aguardo da resposta para poder prosseguir.
Opinião todo mundo tem, o que falta é argumentação.
Veja que as perguntas são bem objetivas.
Qual a responsabilidade de quem nasceu de 64 em diante?
Por que você precisa de uma Comissão da Verdade para interpretar dados?”
{{confira aqui o salário dos integrantes da comissão da verdade}}
Diante da insistência nesta posição equivocada, não pude ignorá-lo. Tive, então, que trazer algumas informações relevantes sobre a ditadura para que ele pudesse entender a importância do trabalho destas comissões.
Resolvi, portanto, ser objetiva, assim como ele pediu…
Por que você precisa de uma Comissão da Verdade para interpretar dados?
Além de ser importante para institucionalizar, oficializar e legitimar nacionalmente e internacionalmente uma resposta do Brasil, do governo brasileiro, a todos os assassinatos e torturas ocorridos no regime militar (1964-1985), a Comissão da Verdade se justifica pelas informações que seguem abaixo. Complementarmente, acredito que antes de opinar ser contra ou a favor de algo – e consequentemente influenciar outras opiniões – , é preciso se informar bem, já que não valem argumentos vazios, tais como “parece que cada participante receberá 11 mil reais por mês”, ou “disseram isso ou aquilo”. Esse assunto é grave e merece ser tratado com cuidado e seriedade.
TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE TORTURA
(Essas são as principais técnicas e instrumentos de tortura utilizados durante a ditadura no Brasil. Na literatura sobre o tema, afirma-se que o Brasil se especializou tanto nestas práticas que ficou conhecido mundialmente e até exportou o know-how na área para países que também viviam governos de exceção).
Pau de arara: é um dos mais antigos métodos de tortura. Consiste em amarrar punhos e pés do torturado já despido e sentado no chão, forçando-o a dobrar joelhos e a envolvê-los com os braços; em seguida, passar uma barra de ferro de lado a lado – perpendicularmente ao eixo longitudinal do corpo – por um estreito vão formado entre os joelhos flexionados e as dobras do cotovelo. A barra é suspensa e apoiada em dois cavaletes. A posição provoca fortes e crescentes dores em todo o corpo, especialmente nos braços, pernas, costas e pescoço, ao que se soma o estrangulamento da pressão sanguínea nos membros superiores e inferiores. Esse tipo de tortura é responsável pela deformação da espinha, nos joelhos, nas pernas, nas mãos e nos pés, além de outros problemas ósseos, musculares e neurológicos.
Choque elétrico: é a aplicação de várias descargas elétricas em várias partes do corpo do torturado, preferencialmente nas partes mais sensíveis, como, por exemplo, nos órgãos genitais, amarrando-se um polo no primeiro e introduzindo-se outro no segundo; ou amarrando-se um polo nos testículos e outro no ouvido; ou, ainda, nos dedos de pés e mãos, na língua etc. Para conseguir as descargas, os torturadores utilizam-se de vários aparelhos: magneto; telefone de campanha; aparelho de televisão; microfone; “pianola”, aparelho que, dispondo de várias telhas, permite a variação controlada da voltagem da corrente elétrica; e ainda choque direto de tomada em corrente de 110 e até 220 volts. O choque queima as partes sensíveis do corpo e leva o torturado a convulsões. Quando aplicado na cabeça, provoca grandes distúrbios na memória e sensível diminuição da capacidade de pensar e, às vezes, amnésia definitiva.
Cadeira do dragão: é semelhante a uma cadeira elétrica. Constitui-se por uma poltrona de madeira, revestida de folha de zinco. O torturado é sentado nu, tendo seus braços amarrados aos braços da cadeira, e as pernas forçadas para baixo e presas por uma trava. Ao ser ligada a corrente elétrica, os choques atingem todo o corpo, principalmente nádegas e testículos; as pernas se ferem batendo na trava que as prende.
Palmatória: é a utilização de uma base de haste de madeira, com perfurações na extremidade, que é arredondada. É usada de preferência na região da omoplata, na planta dos pés e palma das mãos, nádegas etc. Causa o rompimento de capilares sanguíneos e ocasiona derrames e inchaço, que impedem a vítima de caminhar e de segurar qualquer coisa.
Afogamento: é um método cuja aplicação varia de um órgão repressivo para o outro. Uma das formas mais comuns consiste em derramar-se água, ou uma mistura de água e querosene, ou amoníaco, pelo nariz da vítima já pendurada de cabeça para baixo. Outra forma consiste em vedar as narinas e introduzir uma mangueira na boca, por onde é despejada a água. Outras formas, ainda são: mergulhar a cabeça do preso em um tanque, tambor ou balde de água, forçando-lhe a nuca para baixo. Pescaria, quando é amarrada uma longa corda por sob os braços do preso e este é lançado em um poço ou mesmo em rios ou lagoas, afrouxando-se e puxando-se a corda de tempo em tempo.
Telefone: consiste na aplicação de pancada com as mãos em concha nos dois ouvidos ao mesmo tempo. Esse método de tortura é responsável pelo rompimento de tímpanos de vários presos políticos, provocando, em alguns casos, surdez permanente; em outros, labirintite.
Sessão de karatê ou corredor polonês: o preso é colocado no centro de uma roda formada por vários torturadores, que aos gritos passam a agredi-lo com socos, pontapés, golpes de karatê etc. Esse processo de tortura deixa muitas marcas e tem determinado o prolongamento da incomunicabilidade do torturado. Por vezes, usam pedaços de pau, ripas de madeira, cassetetes, mangueiras de borracha, vergalho de boi ou tiras de pneu.
Soro da verdade: é o nome que dão ao pentotal, que é um sal de sódio do pentotal, um barbiturato. Geralmente sua aplicação é feita com o torturado preso a uma cama ou maca, sendo-lhe a droga injetada por via endovenosa, gota a gota. Promove graves efeitos colaterais e até mesmo a morte no caso de doses excessivas.
Tamponamento de éter: consiste em aplicar uma espécie de compressa embebida com éter, particularmente nas partes sensíveis do corpo, como boca, nariz, ouvidos, ou em introduzir buchas de algodão ou pano, também embebidas de éter no ânus. A aplicação demorada e repetida dessas compressas provoca queimaduras.
Sufocamento: consiste em tapar a boca e o nariz do preso com pedaços de pano, algodão, produzindo intensa sensação de asfixia e impedindo-o de gritar. Aplicado intermitentemente, o sufocamento provoca tonturas e desmaio.
Enforcamento: resume-se em apertar o pescoço do preso com tiras de pano ou pedaços de corda, provocando sensação de asfixia, desmaios etc.
Crucificação: embora conhecido por tal nome, na verdade esse método consiste em pendurar a vítima pelas mãos ou pés amarrados, em ganchos presos no teto ou escadas, deixando-a pendurada e aplicando-lhe choques elétricos, palmatória e as outras torturas usuais.
Mais exemplos de técnicas e instrumentos de tortura utilizados durante a ditadura brasileira podem ser vistos no documentário “Brasil: o relato de uma tortura”, de 1971. As próprias vítimas de torturas falam sobre o assunto e expõem, inclusive, algumas das técnicas empregadas.
Agora, enumero e explico como se deu a institucionalização da repressão nos governos ditatoriais, para que você entenda o quanto é fundamental para o Brasil mexer nessa ferida e dar respostas às pessoas que sofreram torturas e aos familiares que perderam entes queridos e até hoje não sabem, exatamente, o que aconteceu.
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA REPRESSÃO
Além da criação, no governo Castello, do Sistema Nacional de Informações (SNI), que controlava a vida dos cidadãos, vale ressaltar alguns órgãos que tinham papel fundamental no exercício da repressão: os Destacamentos de Operações de Informações (DOI-Codis), o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), o Centro de Informações da Aeronáutica (CISA), o Centro de Informações da Marinha (CENIMAR), e a Casa da Morte – centro clandestino de torturas do Exército.
Os DOI-Codis, criados em 1970, representavam a base estrutural da repressão política no país, sendo que cada ministério militar podia ter o seu próprio DOI. Em São Paulo, o DOI-Codi substituiu a Operação Bandeirantes (OBAN), que surgiu em 1969, da mobilização de empresários comprometidos com a repressão e o golpe, de forma clandestina, dando apoio logístico e financeiro. A OBAN, que só passou a ter existência legal quando foram criados os DOI-Codis nas Forças Armadas, por se situar à margem da estrutura legal, alcançou grande autonomia e impunidade quanto aos seus atos, transformando-se em um organismo extremamente eficaz de controle do “inimigo interno”. Desde que foi criada, funcionava em uma Delegacia de Polícia, situada na Rua Tutóia, em São Paulo.
O DOI-Codi de São Paulo também não ficava atrás da OBAN no que diz respeito à violência. Caio Túlio Costa, em seu livro “Cale-se”, relata que havia uma cela, onde os presos eram torturados nesse local, conhecida como x-zero, com as seguintes características:
“totalmente escura, sem lâmpada, sem janela, um cubículo de 1 metro e meio quadrado, no máximo. Comprida, tinha um lugar de banheiro, o boi, era assim o nome, e um chão de madeira. Só. Não tinha colchão, nada”.
Os DOPS eram os mais antigos órgãos de repressão políticas do Brasil, surgidos para controlar e reprimir qualquer tipo de atividade considerada anarquista e subversiva. Esses departamentos serviram ao governo Vargas, a todos os mandatos democráticos e, posteriormente, à ditadura militar. Do DOPS, saíram os mais famosos e temidos torturadores do país como, por exemplo, o delegado Sérgio Fleury, que se tornou um símbolo da brutalidade do regime, visto que torturou e matou inúmeros presos políticos. Fleury comandava um grupo de policiais envolvidos com tráfico de entorpecentes autodenominado “Esquadrão da Morte”, treinado para eliminar presos comuns.
As pessoas detidas no DOI-Codi tinham que depor no DOPS, onde ganhavam ficha e reconhecimento legal da prisão. Em casos de morte, não havia passagem pelo DOPS. Conforme Caio Túlio Costa (2003, p. 143), o falecido “(…) ou tinha o corpo retalhado e os pedaços ocultados em locais separados (como era muito comum no Rio de Janeiro) ou era levado direto para o Instituto Médico Legal, para ser enterrado como indigente ou entregue à família em caixões lacrados.”
O CISA era o órgão de repressão da Aeronáutica, cujo principal braço foi o DOI-Codi instalado na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro. Foi responsável por várias torturas seguidas de morte, dentre as quais, a mais famosa é a do estudante Stuart Edgar Angel Jones.
A Marinha também tinha uma estrutura para reprimir os opositores do regime, o CENIMAR, que era ligado ao Estado Maior das Forças Armadas e responsável, juntamente com as Policias Estaduais, pela repressão física até 1967.
Além de todos esses organismos de terror, havia também a Casa da Morte, localizada em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Era o local onde o Centro de Informações do Exército (CIE) realizava torturas clandestinamente. Alguns dos militantes presos nesse lugar são considerados desaparecidos até hoje.
Durante todo o regime, esses órgãos torturaram indiscriminadamente centenas de pessoas. A violência começava no momento da prisão, sendo que o preso, normalmente, era encapuzado ou tinha os olhos vendados para não localizar o ambiente onde se encontrava. As salas de interrogatório eram revestidas de material isolante, para impedir que os barulhos da violência e dos gritos dos presos não se propagassem pela vizinhança.
Segundo Costa (2003, p. 28 e 29), o regime não se especializava apenas na tortura, mas também em inteligência no levantamento de informações, na infiltração de espiões nos grupos oposicionistas, no estudo com a ajuda da CIA – Central norte-americana de inteligência –, na captura de rebeldes, na informatização, no interrogatório e no fuzilamento sumário.
“No rastro desses anos repressivos ficaram os corpos de muitos líderes estudantis mortos à bala ou sob torturas pelos órgãos de repressão, nas capitais ou em áreas distantes como o Araguaia, merecendo destaque o ocorrido com Honestino Monteiro Guimarães, último dirigente máximo da UNE antes de sua desarticulação, preso em 1973 pelos órgãos de repressão política, que nunca mais deram notícias sobre seu paradeiro.” (Brasil Nunca Mais, 1995, p. 135)
No livro Brasil Nunca Mais, também consta, nas páginas 291, 292 e 293, os nomes dos mortos e desaparecidos políticos durante o regime civil-militar (veja a lista aqui). Cada nome destes, por si só, já justifica a Comissão da Verdade. É um livro bastante esclarecedor para quem conhece ou viveu esse período deprimente da nossa história. Também evidencia o quão ilegítima é a Lei da Anistia sancionada em 1979, que liberou assassinos e torturadores em troca da liberdade de todo o País. Lei esta que precisa ser urgentemente revista para que a justiça seja feita.
Se as gerações anteriores não se concentraram em descobrir o que aconteceu nesses 21 anos de ditadura, precisamos fazê-lo agora. E continuar jogando a sujeira para baixo do tapete não é uma forma de resolver, mas sim de fugir dos nossos fantasmas, de dar as respostas a quem tem direito e de responsabilizar quem deve ser responsabilizado.
Qual a responsabilidade de quem nasceu de 64 em diante?
Não sei se a palavra mais correta é responsabilidade, mas quando uma sociedade (ou geração, como preferir), num determinado tempo, não resolve os pontos obscuros da sua história, automaticamente e consequentemente, os problemas permanecem e são transmitidos às gerações vindouras, que embora não responsáveis pelos atos do passado, não vieram de chocadeiras, mas sim daquelas gerações que jogaram a sujeira para baixo do tapete, para não enfrentar seus fantasmas. É uma herança maldita? Concordo que sim. Mas não é por isso que temos que ignorá-la, fingir que ela não aconteceu, deixando tantos familiares sem respostas e tantas mortes sem justiça. E isso independe se ainda há torturadores vivos ou se estão todos mortos.
Afinal, eles também são uma geração que originou outra geração. E a resolução deste impasse seria, no mínimo, mostrar aos frutos desses sujeitos que eles sujaram a nossa história e que não são heróis de guerra, que salvaram o país, mas sim exemplos para não serem seguidos nunca mais. Até mesmo porque, hoje em dia, vivemos uma democracia muito frágil, sujeita a inúmeras investidas bem parecidas àquelas praticadas na ditadura, por governantes que perderam o limite do seu poder. Ao abrir os jornais todos os dias, isso pode ser rapidamente constatado.
Portanto, sua geração não é responsável, mas é herdeira desse fardo. E se não resolvermos agora, passaremos a “batata-quente”para as próximas gerações.
Quanto ao possível pagamento de integrantes da Comissão da Verdade, por meio dos impostos que a sua geração paga, digo sem titubear: me sinto muito mais confortável sabendo que parte do meu dinheiro está servindo para resolver essa situação deplorável de afronta aos direitos humanos do que saber que está pagando os gordos salários/aposentadorias de assassinos reformados ou bancando o conforto dos herdeiros desses sanguinários.
Sem contar que eles estão desempenhando seu trabalho e nada mais justo do que serem remunerados. Ou você, em seu trabalho, faz isso voluntariamente, sem salário? Não tem sentido algum este seu comentário.
Só mais uma coisa. Quanto ao comentário de que o Jânio Quadros foi o culpado pelo golpe militar, tenho que discordar mais uma vez. Ele apenas facilitou – é verdade que por conta de uma manobra política infeliz que praticou em busca de mais poder – que os militares dessem um golpe. Mas é preciso observar que, primeiro, os militares não tomaram o poder sozinhos; eles tiveram grande apoio da Igreja, de civis e de outros países, sobretudo dos Estados Unidos. Isso sem falar da ampla propaganda anticomunista, tão bem arquitetada para justificar o golpe, que eles erroneamente chamaram de “revolução”.
Em segundo lugar, um estudo aprofundado sobre o tema – que incluiu a pesquisa de preciosidades em sebos deste país, me ajudou a encontrar um livro, editado pela própria Biblioteca Brasileira do Exército, intitulado “Nação Armada: A mística militar brasileira”, de um americano brasilianista simpatizante do regime (Robert Ames Hayes), que conta desde quando os militares planejavam a tomada do poder no Brasil. E posso te garantir que esse projeto não nasceu no governo do Jânio. Este senhor foi só o instrumento facilitador deste processo. Os militares aproveitaram de sua ambição e o enganaram. Estava tudo articulado, mas os militares não tinham interesse em dividir o poder com Jânio. Afinal, este objetivo era muito mais antigo e vinha sendo arquitetado há muito mais tempo. E como disse, isso não foi afirmado por um militante de esquerda em seu livro de memórias da ditadura, foi contado por um aliado do regime e publicado pelo próprio Exército. Portanto, são eles falando deles, do que pretendiam e do que viriam a fazer mais tarde, entre 1964 e 1985.
Enfim, o Jânio não poder ser declarado o único bode expiatório desse período; pode sim, ser considerado um fraco, ambicioso, que deixou o caminho livre para um projeto de fardados reacionários, apoiados por políticos civis, religiosos, estrangeiros e gente mal informada e manipulável.
Por fim, eu lhe digo que somente uma pessoa que não sofreu as consequências da repressão naquele período ou nunca se dedicou a estudá-lo mais aprofundadamente é capaz de criticar a criação da Comissão da Verdade e o trabalho por ela desenvolvido da forma como você fez.
Aos que pensam como esse rapaz, recomendo dar uma olhada aqui, no site da Comissão Nacional da Verdade, e observar a relevância do trabalho desenvolvido por esta e pelas comissões estaduais e a sua importância para que o país possa dar as respostas necessárias a quem é de direito, responsabilizar quem é preciso responsabilizar e virar essa página trágica da nossa história!
Sobre a autora:
Flávia Santana é jornalista, mestre em história social e pesquisadora da ditadura civil-militar brasileira.
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