Não faz pouco tempo que ouvimos em conversas de boteco que o Brasil enfrenta uma crise do sistema político. Mas a questão é mais embaixo, já diria o tatu. A questão é que o Brasil enfrenta uma ausência quase absoluta de lideranças políticas que possam atrair para si legitimidade suficiente para liderar uma mudança efetiva do sistema.
No filme {{que aliás, se você não viu pare tudo e vá ver}} Entreatos, do João Moreira Salles, gravado durante a campanha eleitoral que elegeu Lula, em 2002, Lula dá um recado claro:
https://youtu.be/CAa9zGxFXWo?t=1h11m14s
Não tem nenhum grande líder. E esse é um dado triste do Brasil, não é um dado bom. No Brasil hoje, a única figura de dimensão nacional sou eu. Mas por que é que eu cheguei onde cheguei? Porque eu tenho por detrás de mim um movimento.
E está errado ?
Desde sua eleição, em 2002, o PT não foi capaz de apresentar nenhuma nova liderança de alcance nacional. Teve Dilma, que ganhou em 2010 mais pela indicação de Lula do que por seus méritos; mas que ganhou em 2014 mais por seus méritos que por Lula.
Dilma não foi capaz de ser a liderança que aglutinasse legitimidade popular. Não foi principalmente por duas razões:
- É um quadro técnico, não político {{e, portanto, sem poder de liderança concreta entre as bases que a elegeram}}
- Porque seu adversário representava um retrocesso muito maior que qualquer demérito dos governos Lula e Dilma.
O que nos leva a crer que o espaço aberto pela atual crise do governo seria ocupado por alguma liderança de oposição. Esta figura seria capaz de unificar a pauta da reforma política e mudar o sistema {{pra melhor ou para pior}}. Mas, caramba, quem é oposição no país ?
O PSDB, mais pálido e inócuo do que nunca, não foi capaz de unir sequer o movimento pró-impeachment em torno de suas figuras.
Perdido entre as suas próprias brigas internas, Aécio, Serra, Alckmin e FHC não foram, nenhum deles, capazes de carimbar em seus nomes a pecha de anti-PT, tão propagada país adentro.
Não por acaso figuras como o Kim Kataguiri {{sim, aquele japonezinho que “foi a pé” até Brasília}}, Bolsonaros e Malafaias ganharam tanto espaço ultimamente. Não por acaso essas lideranças, têm como base do tão sonhado {{por elas}} impeachment, o PMDB.
O que nos levaria ao óbvio, essa liderança sai do PMDB. Ok, pensemos então…
Cunha ?
Eduardo Cunha tem por trás empresas e dinheiro. Não foi capaz de construir massa que, por exemplo, saísse às ruas contrárias às suas acusações. Um pouco pelo óbvio de sua corrupção e muito porque construiu sua carreira política nos bastidores, mais que nas ruas.
Temer ?
Temer é um quadro essencialmente burocrático. Inteligente, manobra um dos partidos mais difíceis de serem manobrados, com uma disputa interna de deixar tranquilinha qualquer corrente petista. Mas não trás para ele nenhuma massa ou legitimidade popular.
Sobra quem ? Sobra a tal oposição à esquerda, que tem discurso que cai muito bonito à comunidade cult uspiana, mas que não foi, em dez anos de existência, capaz de fazer qualquer campanha de massas, seja para xingar o PT, seja para xingar o PSDB. Sobra também alguns nomes como Ciro Gomes, com discurso igualmente popular, mas atuação política mais ao centro que qualquer outro espectro. E, de novo, sem capacidade de aglutinamento de massas.
A crise é política. É de quadros políticos.
Um país que outrora contava {{mal ou bem}} com Collor, Lula, Covas, FHC, hoje não conta com nenhuma presença política que faça brilhar os olhos da população, tanto do lado esquerdo da brincadeira, quanto do lado direito.
Quem tem quadros hoje? Alguns movimentos sociais. Boulos, Stédile, quem mais ? Certamente há outros, não se discute isso.
Mas os quadros dos movimentos sociais entrariam na disputa política a partir de onde ? O PT trás em si a pecha de que fez pouco do precisava ser feito {{na visão dos movimentos}}, o PSOL não tem capacidade de eleger nenhuma figura em caráter nacional, ainda. PCdoB trás a mesma imagem do PT.
Vão para a direita ? Não.
Muitos estão questionando a ausência de Lula nesse quadro todo. Lula é uma liderança, sem dúvidas. Mas que faria mais mal ao país do que bem, ocupando, como desejam boa parte dos petistas, a cadeira principal do Executivo em 2018.
O país precisa urgentemente de novos quadros políticos. Mas para isso, os partidos precisam se soltar de suas amarras burocráticas, voltar a ocupar as ruas e abrir espaço para quadros menos burocráticos e mais ligados aos movimentos sociais.
Lula tinha razão em 2002 e continua tendo hoje. É um quadro triste, sem dúvidas.
Gostei da análise, Vitor. Sempre venho aqui no seu blog ler o que você escreve.
Mas como pode surgir um bom quadro político de esquerda com essa midia marrom criminalizando todo e qualquer partido ou governo progressista?
Como fazer sugir um bom quadro político no PT quando o Estado encontra-se aparelhado por aqueles que hoje acusam o próprio PT de se apropriar do Estado (vide Gilmar Mendes no STF, Nardes no TCU, Francischini na PF, Cunha na Câmara, Renan, PMDB em todos cantos, etc.)?
Vejo, por exemplo o Haddad fazendo um trabalho interessante em SP, mas sendo constantemente execrado pela imprensa golpista. Acredito ele ser um bom quadro político (posso estar enganado, sou péssimo analisa político), mas duvido muito que ele vá conseguir maior projeção.
Qualquer aceno para a esquerda é imediatamente abafado e /ou criminalizado, num esforço conjunto, pela grande imprensa e por aqueles que realmente dominam o aparelho estatal. Ainda que haja deméritos no jeito Dilma de governar, devemos parabenizá-la por três tentativas de fazer uma reforma estrutural no país: a primeira seria a tentativa de instalar um plebiscito para formação de uma constituinte sobre reforma política, que pudesse discutir o financiamento privado de campanhas. A segunda seria o decreto 8.243 que instituia os conselhos populares nas instituições, o que contribuiria (e muito) para o fortalecimento das mesmas. A terceira e última é a manutenção e ampliação dos programas sociais originados do Governo Lula. Pois bem, ambas as tentativas de guinada á esquerda foram ou estão sendo rapidamente suprimidas, criminalizadas ou esquecidas, com a conivência da própria sociedade que não se mobilizou para que isso não acontecesse.
Diante disso, de que outra forma poderia surgir um quadro político de relevãncia nacional com o cenário político que estamos enfrentando agora?
Oi Gabriel!
Eu acho que o caminho é complicado e longo, mesmo. Mas passa, principalmente, pela juventude dos partidos. Não dá para quem é da burocracia ter sempre muito espaço e a galera que milita de verdade, na rua, ficar sempre sem voz, sem caneta.
Acho que é por aí…
Abs e obrigado por ler!
Victor Amatucci