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*O Bar Semente, um clube famoso em uma região central da cidade, foi fechado quando a crise econômica e a violência afetaram a comunidade musical.

Fachada do Bar Semente
{{Foto: Tom Philips / The Guardian}}

Foi equivalente a “Bule Note” ou “Ronnie Scott”, um clube de samba lendário do Rio de Janeiro, famoso por suas caipirinhas, as Jam sessions lotadas e pelo lançamento de alguns dos melhores jovens músicos da cidade.

Hoje, porém, o Bar Semente está abandonado, um símbolo coberto de grafites da crise pós-megaeventos da cidade. Um epitáfio foi pixado em sua fachada: “As Olimpíadas, para quem?“.

“Foi a decisão mais difícil… tão difícil e tão solitária”, afirmou Aline Brufato, proprietária do Bar Semente durante a maior parte de seus 20 anos de existência, disse sobre sua decisão de fechar no final do ano passado: “Mas não poderia continuar”.



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O produtor carioca culpou um coquetel de fatores econômicos, políticos e sociais pelo desaparecimento de um clube cujos patrões incluíam Sting, Dave Matthews e Norah Jones, além de gigantes da música brasileira, como Chio Buarque, Ney Matogrosso, João Bosco e Yamandu Costa.

Parte do problema foi a negligência do governo, que condenou a Lapa, o distrito boêmio em ruínas onde o Bar Semente estava localizado, a níveis crescentes de violência e falta de moradia.

“A Lapa poderia ser como Montmartre ou Le Marais, ou a Vila de Greenwich ou Alfama, em Portugal. Mas {{para as autoridades}} a Lapa não é interessante, a Lapa é um problema”, disse Bufato durante uma entrevista no escritório de sua casa na colina, com vista para icônico viaduto do século XIX.

A recessão do Brasil, que atingiu mais fortemente o estado do Rio, também ajudou a selar o destino do Bar Semente. “Algumas pessoas querem apenas culpar a violência, mas não foi apenas a violência. Foi a crise econômica”, disse Zé Paulo Becker, um célebre guitarrista brasileiro que havia organizado uma jam instrumental às segundas-feiras desde 2004.

“As pessoas não tinham dinheiro para sair… Aqui no estado do Rio, temos muitos funcionários públicos e eles não estavam pagando aos funcionários públicos. Então, como é que alguém vai sair para consumir cultura? É triste. Outro dia eu estava passando pela Lapa… e eu não podia acreditar… Estava vazio: cinco anos atrás, nunca teria sido assim”.

Em recente entrevista ao jornal O Globo, o dono de outro bar loal, Nova Capela, admitiu que estava lutando para se manter à tona. “lapa”, ele lamentou, “está mais morto que vivo”.

Bar semente em seus dias mais felizes

{{Foto: Um retrato do Bar Semente nos dias mais felizes, do artista chileno Jorge Selarón, que foi assassinado na mesma rua em 2013. Fotografia: Tom Phillips para o The Guardian}}

O fechamento do Bar Semente é parte de uma crise mais ampla que afeta a comunidade musical do Rio – sem mencionar a própria cidade, abalada pelo assassinato ainda não solucionado da vereadora Marielle Franco e por uma controversa intervenção militar supostamente destinada a combater a violência armada.

A escala dos desastres de segurança do Rio foi manchete no início deste mês, quando um tiroteio feroz irrompeu ao lado do Pão de Açúcar e seis cadáveres crivadas de balas foram jogados em uma praia próxima. Na semana passada, um menino de 14 anos foi morto quando um helicóptero da polícia abriu fogo em uma favela densamente povoada.

Uma geração de jovens músicos virtuosos deu um duro no palco minúsculo do Bar Semente, indo gravar álbuns e – no caso de uma cantora, Teresa Cristina – fazer shows em todo o país. Muitos desses músicos, no entanto, estão fazendo as malas e procurando oportunidades no exterior.

“Você teve um desmantelamento real das pessoas”, disse Brufato, 41, revelando os nomes de quase uma dezena de músicos e cantores que fugiram para cidades como Lisboa, Nova York e Montreal nos últimos meses.

Becker, 49, disse que perdeu 2 membros de seu grupo. “O país está passando por um momento de crise. Quando você congela 20 anos de investimento em educação e cultura, há um preço a ser pago… Eu não quero dar uma explicação pessimista das coisas. Mas estamos vendo a realidade”.

Para aqueles que ficaram, o fechamento do Bar Semente deixou um vazio.

Manifestação no Rio em memória de Marielle Franco em março.

{{Foto: Marcelo Sayao / EPA}}

“Bar Semente estava em algum lugar que você poderia compor, onde você poderia correr riscos, onde você poderia improvisar”, lembrou Becker. “Era como uma segunda casa… e com o passar do tempo a moeda começa a cair e começamos a perceber o quanto sentimos falta desse espaço”.

“Muitos artistas ficaram meio órfãos”, disse Alessandro Brandão, que faz parte de uma dupla de drag queen chamada Sara e Nina, que fizeram sua primeira pausa no clube. “O Bar Semente construiu uma audiência para um certo tipo de música e de repente desapareceu. Foi realmente desanimador”.

Gabriel Sanches, a outra metade da dupla, disse que fechamento do Bar Semente foi um alerta para os desafios mais amplos que a sociedade brasileira enfrenta e a necessidade de lutar contra o golpe do país para a direita. “Isso me faz pensar: ‘Caramba! As coisas realmente são ruins! Esta crise, as dificuldades – e num sentido mais amplo – a censura, a repressão, o crescente conservadorismo”.

Brufato insistiu que os músicos do Rio se recuperariam; alguns artistas deslocados encontraram um novo lar no palco de uma filial local do Blue Note, que abriu no elegante bairro da Lagoa no ano passado e que no próximo mês começará a apresentar suas noites temáticas.

“A geração Semente está viva e chutando”, disse ela.

Os Degraus Selarón na Lapa.

{{Foto: Pintai Suchachaisri / Getty Images}}

“O Brasil é um país tão musical”, concordou Becker. “Tenho a sensação de que a qualquer momento [o Bar Semente] poderia voltar. Eu acredito nisso – ele acrescentou com uma risada. “Nós temos que acreditar”.

Em uma noite recente, as luzes estavam apagadas sobre o palco do Bar Semente, mas pintadas em uma parede decadente do outro lado da rua, ao lado de um acampamento, foi uma citação do falecido poeta brasileiro Ferreira Gullar, ecoando como uma mensagem de resistência: existe porque a vida não é suficiente!

Artigo publicado originalmente pelo The Guardian e traduzido pelo ImprenÇa.

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