Três das principais conquistas científicas nos últimos anos – a detecção do bóson de Higgs, em 2012, e das ondas gravitacionais, em 2015, e a obtenção da primeira imagem de um buraco negro, em 2019 – têm algo em comum: são grandes projetos colaborativos, com a participação de pesquisadores de diversos países, incluindo o Brasil.
Esse tipo de projeto de cooperação internacional deverá se tornar cada vez mais rotineiro nos próximos anos, quando entrarão em operação megatelescópios e grandes instalações de pesquisa em diferentes lugares no mundo.
A fim de possibilitar a participação efetiva da comunidade científica brasileira é preciso assegurar a estabilidade dos recursos financeiros. A avaliação foi feita por participantes de uma mesa-redonda sobre grandes projetos de cooperação internacional realizada terça-feira (23/07) na 71ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Com o tema “Ciência e inovação nas fronteiras da bioeconomia, da diversidade e do desenvolvimento social”, o evento ocorre até sábado (27/07) no campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande.
“Temos dificuldade em assinar acordos para participar desses grandes projetos de colaboração científica internacional em razão da falta de estabilidade no financiamento dos experimentos”, disse João Ramos Torres de Mello Neto, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“A participação da comunidade científica brasileira nessas grandes colaborações internacionais, de longo prazo, tem sido baseada fortemente em projetos de alguns pesquisadores individualmente ou de pequenos grupos, e a maior parte do financiamento é de curto prazo”, disse,
Segundo Mello, para mudar esse quadro seria preciso transformar o financiamento da participação do Brasil em projetos de colaboração internacional em uma política de Estado, que envolvesse órgãos ligados não somente ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), como também da Economia, Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Isso porque a participação brasileira nesses projetos é estratégica para todos esses setores.
“O envolvimento do Brasil nesses grandes projetos científicos permitiria não apenas obter retorno na forma de conhecimento, como também desenvolver capital humano e possibilitar às empresas nacionais a adquirir ou desenvolver novas tecnologias”, disse.
Uma vez que esses projetos se propõem a responder questões na fronteira do conhecimento, demandam o desenvolvimento de tecnologias que são criadas, em sua maior parte, por pesquisadores em colaboração com empresas, explicou Reinaldo Ramos de Carvalho, professor da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul).
Ele mencionou como exemplo o primeiro sensor semicondutor para captação de imagens (CCD, na sigla em inglês), atualmente utilizado em fotografia digital e presente na maioria dos smartphones. O sensor foi desenvolvido por uma demanda da área de Astronomia.
“A sinergia entre a ciência e a tecnologia é imperativa nesses grandes projetos de colaboração internacional. Por isso, requerem a participação do setor privado”, disse Carvalho.
Protagonismo em projetos
A criação de oportunidades de desenvolvimento tecnológico para indústrias do Estado de São Paulo é um dos critérios que a FAPESP leva em conta na avaliação de propostas de participação em grandes projetos de colaboração internacional, destacou Roberto Marcondes Cesar Junior, professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador adjunto da área de Ciências Exatas e Engenharia da FAPESP.
Outros critérios de avaliação são o protagonismo dos pesquisadores apoiados e o envolvimento no desenvolvimento da instrumentação científica desses projetos.
“A FAPESP entende que os pesquisadores que apoia precisam procurar algo a mais do que a pesquisa científica que realizarão nesses grandes projetos de colaboração internacional”, disse Marcondes Cesar. “Eles devem buscar ter liderança, protagonismo e, sempre que possível, envolvimento na instrumentação e na criação de oportunidades de desenvolvimento tecnológico para indústrias no Estado de São Paulo.”
Ele deu o exemplo de um grupo de pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), que tem conquistado esse protagonismo desejado em grandes projetos de colaboração internacional. Por meio de um projeto apoiado pela FAPESP, projetaram e desenvolveram um chip, chamado de Sampa, que será instalado no sistema de detecção do ALICE (A Large Ion Collider Experiment), um dos quatro grandes experimentos do LHC (Large Hadron Collider).
Outro grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveu, também por meio de um projeto apoiado pela FAPESP, o detector de luz Arapuca, que será instalado no Deep Underground Neutrino Experiment (Dune).
O Dune é um projeto internacional com o objetivo de descobrir novas propriedades dos neutrinos, partícula elementar com muito pouca massa e que viaja a uma velocidade muito próxima à da luz.
“São projetos de instrumentação científica brasileira, de alto nível, que estão funcionando muito bem”, disse Cesar.
*Por Elton Alisson, de Campo Grande (MS) | Agência FAPESP