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E por que o PT permanecerá anacrônico no universo digital sem uma revolução interna.

*Por Thiago Pelúcio

O Partido dos Trabalhadores vem adotando de forma fragmentária e descoordenada, uma ‘política’, por assim dizer, equivocada no tratamento do universo digital. As múltiplas plataformas de redes sociais digitais demandam tipos próprios de interação e mais, oferecem possibilidades incomensuráveis de proximidade e cumplicidade entre indivíduos e corporações e suas próprias redes físicas e virtuais, possibilidades nunca antes vistas na história da humanidade. Parte da militância já percebeu o anacronismo com que a direção trata o tema. Parte da direção já se deu conta de que tem fracassado flagorosamente. Trata-se, portanto, de uma mudança comportamental a exigida para o Partido.

É compreensível que seja assim. Os atuais dirigentes do Partido dos Trabalhadores foram forjados no mundo real do trabalho de base, nas ruas e bairros, igrejas, escolas, sindicatos, fábricas, associações, etc., pelas cidades do Brasil, em mais de 40 anos de luta, inclusive contra uma ditadura militar e pela redemocratização no país. Este mundo real é importante. O universo digital, por sua vez, se transforma vertiginosamente em um processo disruptivo em relação ao mundo real, implicando mudanças profundas, contínuas e cada vez mais rápidas, no mundo real e no universo digital, gerando incerteza e confusão.



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Para explicar o universo digital em geral, e a comunicação neste universo em particular, e tentar esclarecer o anacronismo entre uma direção partidária analógica e relações cada vez mais digitalizadas, recorro ao linguista Gustavo Conde que, em seu texto seminal intitulado “A esquerda precisa entrar no campo da nova comunicação política”, publicado em 02/11/2019[1], afirma que “poucos ainda entenderam que estamos diante de uma transformação dos protocolos de produção de sentido. Há uma mudança estrutural em curso em nossos sistemas linguísticos e simbólicos“.

Segue transcrição de parte do texto que ilumina o argumento:

“A explicação (para os protocolos de produção de sentido), pois, deve ser matemática e linguística. A massificação do sentido e sua mudança de matriz nos obriga a produzir equações muito técnicas no campo da interpretação e codificação de textos.

Tomemos o Brexit, que surpreendeu o povo britânico pela inesperada manifestação massiva de ódio e ressentimento.

A campanha ali foi furiosamente contrária às fórmulas clássicas de marketing político, e mesmo marketing tradicional, voltado a produtos e serviços.

Houve um trabalho de reorganizar os sentidos em jogo com o auxílio das redes sociais.

As redes funcionam como pesquisas apuradíssimas, que custavam muito dinheiro antes para serem realizadas por institutos de pesquisas.

Agora, você tem a pesquisa instantânea, em tempo real, com atualizações a cada segundo – e com muito mais qualidade.

Pilotar essa montanha de informação é que é o desafio. Em geral, esses pilotos precisam ser jovens – de preferência, muito jovens – que falam a língua nativa das redes sociais e que já entendem como o novo sentido social das palavras é produzido e irradiado.”

O Partido dos Trabalhadores

Esta introdução é necessária para aclarar como o Partido tem utilizado as plataformas digitais de redes sociais de maneira equivocada, algumas vezes conscientemente, mas em geral de forma amadora e burocrática, mesmo que involuntária e inconscientemente. A forma fragmentária corresponde à multiplicidade de atores políticos – vereadores, prefeitos, governadores, diretórios municipais, zonais, estaduais, sindicatos, lideranças – atuando de maneira descoordenada, por voluntarismo, sem absorção real e sem uma rede que conecte as informações e impulsione perfis e fortaleça narrativas e blocos semânticos. O quantitativo de trabalhos continua produzindo e colaborando para a tempestade de dados que inunda o cotidiano das pessoas nas redes sociais, porém, dado não é sentido, e nosso objetivo principal deve ser para estabelecer protocolos para a produção de sentido, ou como resumiu Fernando Haddad em entrevista ao Roda Viva em 06/07/2020, “o PT não precisa pensar o que que eu preciso fazer para ganhar 2022. Ele precisa dizer: o que que eu preciso fazer para recuperar a credibilidade que eu perdi junto a uma parcela do eleitorado. O que que eu preciso explicar, o que que eu preciso desvendar, como que eu vou demonstrar que eu não sou o que ‘tão dizendo de mim”.

A ocupação fragmentária citada no início decorre do que vou chamar de ‘mentalidade panfletária’. A analogia é que estes múltiplos atores agem como se estivessem produzindo e distribuindo panfletos digitais, cada um com sua linguagem e abrangência limitadas, e apoiando-se em uma militância cansada para distribuí-los nas redes sociais ou, na melhor das hipóteses, apoiando-se em uma militância jovem mas que está desconectada das “fórmulas clássicas de marketing político”, o que causa frustração e conflito. Estas fórmulas, podemos dizer resumidamente, consistem em distribuir material informativo porta a porta, em conversa olho no olho (e isto é importante, vale salientar). Com esta mentalidade, o gerenciamento destes ‘canais de comunicação’ tem sido ocupado por uma prática que separa comunicação de tecnologia, considerando comunicação a produção de material informativo e tecnologia o meio onde será distribuído, de maneira estanque.

Tomado dessa mentalidade, há poucos meses, em abril de 2020, em plena pandemia e à revelia de compromissos com a Chapa Nacional que sustentou a bandeira da criação de um protocolo para a produção de sentido, a direção do Partido dos Trabalhadores decidiu tentar ocupar a última fronteira das redes sociais dominantes no Brasil, o WhatsApp. Em que pese o atraso da iniciativa, ela ocorreu a despeito de desenvolver o diálogo com as gigantes digitais, por um lado e, por outro, apoiar soluções de integração tecnológica e cognitiva que aproveitem principalmente a inteligência disponível em nossas fileiras – exigências estabelecidas pelo Congresso do Partido em novembro último.

A tendência majoritária do partido – de forma arbitrária – optou por contratar uma empresa, LEADWhats. Como bem sintetizou um companheiro da setorial de ciência e tecnologia: “Eu avisei. Não tem milagre. Querem usar tecnologia contratando espertos em vez de desenvolver e se tornar um player.” O resultado, após uma tentativa de ocupação claudicante e novamente fragmentária e descoordenada, com vistas à mercantilização da ferramenta WhatsApp, utilizando-se de disparos massificados semi-automatizados de listas genéricas produzidos pela referida empresa por meio do Zap do PT, fez com que o Partido dos Trabalhadores estivesse envolvido negativamente em notícias envolvendo o universo digital, associando seu nome a disparos em massa de fake news[2]. Embora os argumentos de perseguição e parcialidade sejam legítimos e críveis[3], o que importa no caso em tela é a reiterada negligencia em relação aos protocolos de produção de sentido, algo em que as esquerdas no geral, e nosso partido em particular, vem falhando miseravelmente. Tampouco adianta ameaçar a gigante digital, mesmo com nosso gigantismo analógico composto de notas de repúdio, medidas judiciais e migração de militantes para outra plataforma. Esta miopia tem nos causado sérios prejuízos e este é o momento de assumir a posição de liderança digital que nós militantes exigimos do nosso partido.

Devemos reconhecer que até ficamos exultantes com a iniciativa da criação do Zap do PT, louvável ainda que tomada com mais de dois anos de atraso e de forma atabalhoada e mesmo estando claro desde o início que estavam ausentes pressupostos como big data e inteligência artificial, constituindo-se meramente em montagem de listas de transmissão, mesmo após incansável debate interno sobre as inteligências e os recursos humanos disponíveis em nossas fileiras e também as opções oferecidas em todas as instâncias com modelos, critérios e possibilidades propostas. Ainda assim, obedecendo nossa disciplina partidária, apoiamos a iniciativa e a distribuímos entre nossos contatos, mesmo com o agravante da falta de transparência e diálogo em sua adoção, vale sublinhar. Acreditávamos que a ‘ferramenta’ apoiava-se, pelo menos, nas determinações das políticas de uso da plataforma e nas exigências legais da Lei Geral de Proteção de Dados que entrará em vigor nos próximos meses.

Ficamos exultantes mas é necessário diferenciar o que foi adotado pela direção daquela que é a proposta advogada pela militância especializada, quando demandava sim a criação do Zap do PT, desde que como resultado de um programa integrado para criação de protocolos de produção de sentido, integrando redes e múltiplos atores e, principalmente, obedecendo e cumprindo as políticas de uso e a legislação aplicável por meio do diálogo de alto nível. Esta proposta foi fruto do compromisso das diversas forças que compõem o partido, e acontecerá pela institucionalização da Setorial Nacional de Ciência & Tecnologia e Tecnologia da Informação e Comunicação em Secretaria Nacional, ação consensuada entre diversas tendências internas do PT no último Congresso. A Secretaria Nacional teria as atribuições de gerenciar e coordenar ações digitais e o diálogo institucional entre o Partido dos Trabalhadores e as gigantes digitais, bem como adequar o PT ao Marco Civil da Internet e à Lei Geral de Proteção de Dados, constituindo-se no âmbito da legislação aplicável em operador e encarregado (SNC&T/TICs-PT) do controlador (PT).

Facebook – correio mundial

Vejam, o acionista do Facebook procura retorno sobre seu investimento nas ações da empresa. O Whatsapp, talvez hoje a principal rede social do mundo ocidental, parece estar desenvolvendo uma política própria para monetização desta plataforma, portanto não permitirá que empresas burlem sua política de envio de mensagens, razão de ser de seu negócio. O Partido dos Trabalhadores, ao contratar a referida empresa, indiretamente infringiu a política da plataforma e por isso teve as contas banidas, simples assim.[4] Uma lida nas políticas de uso da plataforma Whatsapp Business permite compreender a quantidade de infrações cometidas – e todas, reiteramos, frutos de uma mentalidade anacrônica dominante em parte da direção partidária sobre como devem ocorrer as relações sociais no universo digital.

Vamos pensar assim, para trazer o pensamento para o mundo analógico, o partido dos trabalhadores teria tentado, no caso em particular, o envio massivo de mensagens de maneira diferente daquela exigida pela plataforma. Seria tal qual se tentasse conduzir sua mala direta em correspondências entregues pelos correios, guardadas as devidas diferenças entre o mundo real e o universo digital. A justificativa apresentada pelo partido está correta na forma, porém equivocada no conteúdo da política específica às relações entre instituições – porque revela uma posição política da perspectiva de um usuário individual pessoa física. Tal postura acaba por desperdiçar uma excelente oportunidade de estabelecer uma relação corporativa entre o maior partido de esquerda do mundo e o maior serviço de redes sociais do planeta.

Mais um milagre?

Com este revés, a próxima proposta miraculosa apresentada pela direção para a militância, como maneira de superar esta possível represália das plataformas citada na reportagem de Tilt[5], será um aplicativo com esta funcionalidade. Seja um aplicativo próprio ou de terceiros, o equívoco permanece – é como entrar num campeonato querendo disputar apenas contra os times que você escolher. Sou brasileiro, prezo pela soberania nacional, luto e milito pelo desenvolvimento científico e tecnológico, atuo na construção da ciência de base do meu país e lamento nosso atraso nas redes sociais, tema ao qual tenho dedicado meus estudos e mlitância nos últimos dez anos. Sou petista, histórico, tenho vinte anos de militância e vai pra mais de 30 de admiração pela estrela vermelha dos trabalhadores. Eu e muitos companheiros demandamos a solução destes problemas com inteligência científica e o cumprimento dos compromissos políticos acordados no âmbito do Congresso.

Estrategicamente é como jogar xadrez com luvas de boxe porque se contrapor às gigantes digitais é arriscado e, no momento, contraproducente. Será que às vésperas de uma eleição que será marcadamente digital o PT teria decidido comprar briga com o carteiro digital? A solução final que é apresentada, o tal aplicativo’ no entanto, será outro revés caso não haja uma mudança comportamental, algo que talvez ocorra apenas após a consolidação de uma mudança geracional na direção do partido, infelizmente. Mudança que implicará reconhecer que não há soluções prontas. Vamos ter de nos sentar e conversar, aprender e criar. Entretanto, para deixar registrado o objetivo deste texto é este: demonstrar que existe, no Partido dos Trabalhadores, uma militância organizada para promover sua transformação digital, para aprender e criar.

API – Aprenda a Programar Idiota

E o que o partido deveria ter feito? Essas soluções tem sido reiteradamente apresentadas e foram substanciadas na proposta de integração digital em torno do conceito de Tecnologias de Informação e Comunicação e Economia Cognitiva, o que significa muito mais que meramente ‘ocupar’ plataformas. Significa a ação coordenada destes múltiplos atores no estabelecimento dos protocolos que vimos falando até agora e outras possibilidades, com a criação e o desenvolvimento de inteligência digital própria. O compromisso do partido com a militância organizada é resultado do último congresso e demanda a imediata criação da Secretaria Nacional de Ciência & Tecnologia e Tecnologia da Informação e Comunicação, com atribuições claras e estrutura própria, como proposto pela militância especializada.

Idiota, sabemos, é originalmente aquele indivíduo na sociedade grega que, preenchendo as prerrogativas para participar da vida pública na polis, abdicava de fazê-lo. Na sociedade digital a exigência para participar da vida pública se transformou drasticamente. Aprender a programar, de forma corporativa, as APIs das plataformas disponíveis é a atual prerrogativa para uma inserção consequente no universo digital eo que permitirá futuramente a criação de aplicativos próprios.

Utilizar as ‘Interfaces de Programação de Aplicações’, cuja sigla API provém do inglês Application Programming Interface é fundamental para o domínio do estado da arte da ciência de dados necessária para uma comunicação digital efetiva para se contrapor não às gigantes digitais, mas às ameaças oriundas da guerra híbrida de que o Brasil tem sido vítima. E para vencer essa guerra precisamos recorrer à criação de protocolos de produção de sentido para engendrarmos blocos semânticos que nos permitam, como nas eleições do Brexit, de Obama a Bolsonaro, comandar a narrativa política e, quiçá, recuperar nossa credibilidade como sugeriu Fernando Haddad ser nosso objetivo como agremiação política.

Thiago Pelucio – Professor de Sociologia da rede estadual paulista e Delegado Estadual da Setorial de Ciência & Tecnologia e Tecnologias da Informação e Comunicação de São Paulo

[1] https://www.brasil247.com/blog/a-esquerda-precisa-entrar-no-campo-da-nova-comunicacao-politica

[2]https://pt.org.br/pt-denuncia-bloqueio-de-canal-que-mantinha-no-whatsapp/

[3] https://www.brasil247.com/midia/em-carta-a-zuckerberg-pt-denuncia-bloqueio-de-contas-do-partido-no-whatsapp#disqus_thread

[4]  https://www.whatsapp.com/legal/business-policy/?lang=pt_pt
https://www.whatsapp.com/legal/business-terms/
https://faq.whatsapp.com/general/security-and-privacy/how-to-use-whatsapp-responsibly

[5] https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/07/07/whatsapp-bloqueia-contas-do-pt-flagrado-por-disparo-em-massa-de-mensagens.amp.htm

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