Como já falado anteriormente, o segundo mandato de Dilma Rousseff deu ao Partido dos Trabalhadores a oportunidade de ser o partido que por mais tempo liderou o governo brasileiro. Apenas o Partido Republicano Mineiro ocupou o governo federal por quatro mandatos, mas ininterruptos, ainda durante a República Velha. Contudo, as expectativas difíceis levantadas ao final do ano passado, aqui mesmo neste espaço quanto ao segundo mandato da presidenta parecem ter se tornado dura realidade.
O governo Dilma no momento enfrenta uma situação de um impedimento de fato em sua capacidade de tomar decisão. Existe em Brasília uma espécie de governo paralelo orquestrado por um quarteto bastante desafinado com a “ideologia” petista. Este quarteto é composto pelo triunvirato peemedebista, nas suas três faces do poder federal – Michel Temer, Renan Calheiros, e Eduardo Cunha, e também pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy.
Por mais que Dilma ainda seja a líder de direito do governo, a inabilidade política de sua equipe a afastou das principais decisões sobre as crises econômica e política, em pleno período que deveria ser a sua Lua de Mel. No atual cenário emerge um fenômeno de natureza estranhíssimo.
Ao contrário do esperado, os primeiros meses do governo não foram marcados pela imposição de uma agenda presidencial sobre o Congresso, mas sim de uma agenda congressual sobre a Presidência. Os desvarios intervencionistas da política econômica do 1º mandato de Dilma, que recuperaram em pleno século XXI princípios estatizantes da política econômica da Ditadura Militar, foram vetados por aqueles que deveriam ser seus principais aliados – o PMDB, o fiel da balança da coalizão de governo, e o ministro da Fazenda.
Hoje a presidenta não consegue palpitar sobre as medidas econômicas e nem mesmo pressionar em demasia Joaquim Levy. A mera possibilidade de demissão do atual ministro traria ainda mais perturbações ao mercado, dificultando a recuperação econômica. Levy é o depositário fiel do que resta de credibilidade econômica do governo e isso vem lhe dando a capacidade de atuar com desenvoltura junto ao Congresso e aos atores econômicos, muitas vezes criando constrangimentos para Dilma, como quando disse que a política econômica de Guido Mantega fora erro grosseiro e também que a presidenta tenta tomar boas medidas, mas não consegue.
Por sua vez, o PMDB tornou-se líder da agenda positiva – reforma política, redução do número de ministérios e independência institucional do Banco Central. Isto é, o PMDB parece ser, por mais incrível que pareça, o partido que melhor ouve os clamores das ruas, exigindo um estado mais moderno e enxuto, cujo peso da burocracia pese menos nos bolsos do contribuinte brasileiro, e rejeitando veementemente o aumento da inflação – resultado claro do ensaio neodesenvolvimentista realizado nos últimos anos e que para a equipe econômica Dilma – Mantega seria um custo aceitável de ser pago pela maior intervenção econômica do governo.
Também não podemos deixar de lado o fato de que boa parte das inquietações contra o governo é fruto da deterioração dos avanços econômicos e sociais obtidos pelo país desde 1985 e mesmo os acelerados durante o período Lula. Problemas como o desaquecimento do mercado de trabalho, a volta da inflação com o aumento agudo do custo de vida nas grandes cidades, a deterioração das contas públicas e, sobretudo, a frenagem brusca no processo de redução da desigualdade e o decorrente aumento da pobreza durante o primeiro mandato de Dilma fizeram com que a própria coalizão de governo abandonasse o barco.
Aqueles que outrora foram parceiros do PT e articuladores da base de sustentação do governo abandonam a Presidência. A primeira baixa foi de Marta Suplicy, hoje muito próxima de um acerto com o PSB, em seguida os irmãos Gomes resolveram pular do barco. O cálculo feito pelos irmãos cearenses é claro. Melhor abandonar um navio desgovernado que ruma ao colapso do que tentar salvá-lo por dentro. Já aqueles que ocupam posições com capacidade de decisão – o triunvirato peemedebista – optaram por tirar do Planalto a capacidade de tomada das principais decisões; o que hoje pode ser visto até como uma ação auto-interessada, mas também republicana.
Diante de tal sorte de elementos, o ciclo se fecha. O impedimento da Presidenta já vem acontecendo de fato. Ela é hoje refém de seus erros e ainda mais de seus aliados. Tornou-se incapaz de tomar decisões que tirem seu governo da forca. O que lhe resta de apoio – os movimentos sociais, a CUT, o MST e o MTST – são justamente os atores sociais que são ferrenhos críticos ao choque de ortodoxia que seu governo vem realizando e devem, logo mais, abandonar quando a situação econômica do trabalhador brasileiro tornar-se ainda mais feroz.
O cenário torna-se sombrio e talvez a solução institucional aos problemas de Brasília acabe encurtando a vida do projeto petista ou renovando-lhe seu fôlego com um nome de alguém mais hábil e capaz para exercer a liderança do Planalto.
Ivan Fernandes é bacharel em Relações Internacionais, mestre e doutor em Ciência Política pela USP. Professor da FMU e publicou em 2011 o livro “Burocracia e Política: a Construção Institucional da Política Comercial Brasileira
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