Escrevo neste momento do morro do Vidigal. Neste momento o túnel que dá acesso da Zona Sul à Rocinha está fechado devido a um protesto.
Motivo?
A ausência de rede de esgoto, urgência de um projeto de teleférico {{sim, aparentemente é para poder sobrevoar a bosta…}} e… o desaparecimento de um morador que foi levado ‘para averiguações’ na UPP recém instalada na Rocinha e… SUMIU.
Nada extraordinário. Absolutamente trivial, portanto.
Mas, a palavra do dia é Vandalismo.
Como bom bacharel em Letras que é este Caipira, vamos começar do óbvio {{e também porque este Caipira é meio burrinho, precisa começar do óbvio mesmo}}. Segundo o dicionário Aulete, a palavra Vandalismo significa:
1 Ação de vândalo ou dos vândalos
2 P.ext. Ato de destruição gratuita e injustificável de bens privados ou públicos como prédios, monumentos, praças, meios de transporte etc.:
Note bem, senhoras e senhores, vândalo, segundo o dicionário, é o sujeito que comete um ATO DE DESTRUIÇÃO GRATUITO E INJUSTIFICADO de bens privados ou públicos…
Volto meu olhar às novas mídias… Uma tal de ‘nova democracia’ publicou um certo vídeo…
Note, rapariga e raparigo, os atos de destruição no vídeo acima.
Uma agência bancária, uma emissora de televisão {{principal responsável pela súbita popularização do termo ‘vandalismo’ e, não por acaso uma emissora cuja história se confunde com a da ditadura militar…}}, comércio de bairros nobres…
E eis que pinta, súbito na memória, uma manchete que li outro dia…
Justiça Global denuncia à OEA chacina nas favelas da Maré e mortes envolvendo policiais em áreas de UPP
A minha memória é assim mesmo, não segue uma linha reta, atrapalha o raciocínio.
Estava eu falando de destruição GRATUITA de patrimônio público ou bens privados…
Retomemos, pois, o rumo senhoras e jovens idosos. Repare no vídeo, as bicicletas do banco Itaú intactas. Estranho…
Mudemos o foco, pois sim. Vândalos, esta é a questão que se coloca.
Vândalos… Eu ouvi essa palavra antes. Ah, sim, nas aulas de história do colégio…
Um povo germânico. Havia outros…
Recordo-me agora… Ostrogodos, Visigodos e Vândalos.
Todos povos germânicos, considerados bárbaros. E porque mesmo eram considerados bárbaros… {{espere o autor verificar os livros de história da escola. Espere mais um pouco que o autor do texto está espirrando, tem rinite à poeira. Pronto, pode continuar…}}
Ah, sim, os Romanos consideravam povos ‘bárbaros’ todos aqueles que não eram eles. Claro, é preciso lembrar o astuto leitor e a sagaz leitora de que a palavra bárbaro aqui tem sentido de barbárie, algo ruim, destrutivo, deseducado. Não se pode confundir com aquele ‘bárbaro’ que nossa avó solta ao final da ópera que estávamos assistindo e, portanto, tem uma conotação batuta.
Ostrogodos, Visigodos e Vândalos. Três povos bárbaros, germânicos, agressivos, deseducados. Que tiveram a capacidade de invadir e penetrar {{UEPA!}} o império romano.
Sobre os Vândalos, diz a Wikipédia:
A localização de Cartago às margens do Mediterrâneo era estratégica para os Vândalos. Ali centralizaram seu Estado, e logo após se estabelecerem, saquearam Roma no ano de 455, destruindo muitas obras primas de arte que se perderam para sempre.
Saquearam Roma…
Isso me lembra que desviei novamente do caminho, mil perdões… Estávamos falando do pessoal que saqueou as lojas do bairro do Leblon, atacaram pedras em agências bancárias, em uma emissora de televisão e que mantiveram intactas as bicicletas do Itaú.
Ao fundo minha namorada reclama do aumento do aluguel no Vidigal. R$2500 para morar – no que em São Paulo chamamos de favela, mas que no Rio de Janeiro tem outro nome… – no morro parece absurdo, diz ela.
De fato, em São Paulo este aluguel te permite morar em um bairro central da cidade.
Tergiversei de novo. Ainda é possível me desculpar?
Pergunto-me o que raios faz os aluguéis subirem tanto em um morro. A vista.
– Oi, o quê? Não, pô. Parcela aí, se der sem juros, parcela!!
Ah, não. Entendi. A vista do morro do Vidigal é o que faz o morro se valorizar tanto. E porque outrora não havia essa valorização? Outrora, me sussurra uma voz {{seria minha consciência? Não creio…}}, havia o tráfico.
Ah, que bom. Agora temos a UPP.
Justiça Global denuncia à OEA chacina nas favelas da Maré e mortes envolvendo policiais em áreas de UPP
Manchetizinha safada essa. Já vimos, porque repete? Bom, diria um amigo jornalista, as manchetes não tem o bom hábito de serem convenientes, quando bem feitas…
E cá estou eu, perdido em pensamentos inúteis novamente… Bom, foco, vamos ao foco.
O fato é que os ‘vândalos’ modernos {{alguém sabe porque vândalos e não godos? Preconceito puro issaê!}} – sejam em São Paulo, sejam no Rio de Janeiro, sejam em Belo Horizonte ou no resto do país – têm direcionado o foco de seus atos de destruição gratuita em objetos sociais bem definidos: Lojas, Bancos, Emissoras de televisão.
Os únicos que foram visto atacando hospitais, até aqui, foram os policiais militares {{olha só, nem falamos deles, quem diria! – não acredite em mim – link só para assinantes da folha. Para ler, clique em ‘abrir em nova aba anônima’}}.
Não me parece assim, tão gratuita as depredações de patrimônios privados. Afinal, porque não estão atacando prédios residenciais? Porque as padarias não foram alvo? Porque os bancos foram alvos em todos os atos de ‘vandalismo’?
Uma população que foi tratada desde sempre às margens do civismo não pode, simplesmente não pode, ser cobrada para que reaja com civilidade. Ainda que a maioria tenha agido assim.
Reduzir as depredações a uma tentativa de desestabilizar o país, ou a joguinho do PSOL {{e olha que ninguém falou tão abertamente contra o PSOL como este blog}} é, no mínimo, reduzir o mundo a um sistema binário. Onde existem os ‘certos’ e os ‘errados’. Ou, sendo mais explícito {{UEPA!²}}, reduzir o mundo a ‘demônios’ e ‘anjos salvadores’.
O mundo não é simples assim. Os vândalos – os antigos – só invadiram Roma porque o cenário interno de Roma assim permitiu.
Os vândalos, modernos, só estão respondendo à linguagem que aprenderam depois de anos e anos de BOPE, ROTA e afins. A ditadura para eles nunca terminou.
A Rocinha ainda espera explicações de um morador ser chamado para ‘averiguações’. E ter sumido depois disso. O Vidigal ainda houve tiros, vez ou outra, no alto do morro. A Maré ainda chora seus mortos.
Não há pobres em passeatas pela paz. A ‘paz’, diz um texto de Marcelino Freire muito bem interpretado por Naruna Costa, nunca visitou essa gente. Estranho, portanto, é esperar que ela surja daí.
http://youtu.be/2g7DHBABdDI
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