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A lei Rouanet costuma gerar polêmicas. A última é o tal livro da Cláudia Leite, que a comunidade esquerdística – e os que dela não gostam – acham um absurdo. Mas alguém já foi estudar o tema?

 

Começa sempre da mesma forma. Algum jornalista da folha, procurando clique / vender jornal, descobre um projeto de algum famoso que foi aprovado na Lei Rouanet e solta logo a manchete: Global pega XX milhões pela Lei Rouanet. E logo vem a turba cega aos gritos de “absurdo”; “onde já se viu?”; incluindo alguns “tinha que ser o PT mesmo”.

Então vamos entender direitinho o que é a lei, para a gente xingar as coisas certas e não passar ridículo quando alguém que entende de verdade do assunto vier questionar os nossos gritos?

Primeiro é preciso lembrar que aprovar um projeto na Lei Rouanet não significa captar dinheiro para o projeto. A lei Rouanet funciona da seguinte forma: o governo aprova o projeto {{em geral não há condicional, ele aprova quase tudo que chega lá; ainda que faça alterações nos orçamentos}}. Você pega a autorização do governo e vai atrás das empresas. As empresas escolhem dar ou não parte de seu imposto de renda para o seu projeto {{ou para o projeto da Cláudia Leite}}. Quando a empresa doa uma parte de seu imposto a você, ela recebe de volta parte do que investiu.



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Na prática a empresa recebe de volta parte do imposto de renda para fazer propaganda no seu livro, peça de teatro, exposição ou circo {{ Pessoas físicas recebem 80% se o nome delas não forem utilizados em publicidades do projeto apoiado, 60% caso o projeto divulgue seu nome. Empresas, tributas em lucro real, 40% quando doar sem que o nome apareça, 30% quando o nome aparecer no projeto ou seja, quando na divulgação aparece o logo da empresa}}.

Diz a lei:

§ 1o Os incentivos criados por esta Lei somente serão concedidos a projetos culturais cuja exibição, utilização e circulação dos bens culturais deles resultantes sejam abertas, sem distinção, a qualquer pessoa, se gratuitas, e a público pagante, se cobrado ingresso.(Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.646, de 2008)

§ 2o É vedada a concessão de incentivo a obras, produtos, eventos ou outros decorrentes, destinados ou circunscritos a coleções particulares ou circuitos privados que estabeleçam limitações de acesso. (Incluído pela Lei nº 11.646, de 2008)

§ 3o Os incentivos criados por esta Lei somente serão concedidos a projetos culturais que forem disponibilizados, sempre que tecnicamente possível, também em formato acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

{{não acredite em mim – Planalto}}

A lei, até este parágrafo, diz que não apoia projetos que tenham circuitos privados que estabeleçam limitação de acesso. O que significa dizer que se você for fazer um livro apenas para as pessoas da sua família, não pode. Mas, se for ter venda ao público, pode.

Não está escrito ali – ou em qualquer lugar – que a lei não vale para pessoas famosas ou bens culturais dos quais eu/você/fulana/ciclano não gostem. Viu só, que coisa?

Mas vamos seguir que a lei diz muito mais.

II – fomento à produção cultural e artística, mediante:

a) produção de discos, vídeos, filmes e outras formas de reprodução fonovideográfica de caráter cultural;

a) produção de discos, vídeos, obras cinematográficas de curta e média metragem e filmes documentais, preservação do acervo cinematográfico bem assim de outras obras de reprodução videofonográfica de caráter cultural; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.228-1, de 2001)

b) edição de obras relativas às ciências humanas, às letras e às artes;

c) realização de exposições, festivais de arte, espetáculos de artes cênicas, de música e de folclore;

d) cobertura de despesas com transporte e seguro de objetos de valor cultural destinados a exposições públicas no País e no exterior;

e) realização de exposições, festivais de arte e espetáculos de artes cênicas ou congêneres;

Se você não tem o costume de ler esse tipo de coisa a gente explica: o que está riscado foi vetado pelo presidente que sancionou a lei {{Fernando Collor, 1991}}.

Estávamos falando de um livro, da Cláudia Leite. Ele não é para circulação privada com limitação de acesso. Se enquadra na edição de obras relativas às ciências humanas, às letras e às artes.

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Mas então, qual o problema da Lei Rouanet?

Ora bolas e carambolas. O problema da Lei Rouanet não é que a Cláudia Leite pode utilizar a lei. O problema é que a lei trata um projeto global da mesma forma que trata uma roda de capoeira em Sertãozinho do Norte.

Ou seja, imagine você que o Bradesco, Itaú e/ou Petrobras receba dois projetos pedindo patrocínio através da Lei Rouanet:

  • Roda de Capoeira em Sertãozinho do Norte:

Público alvo: Comunidade Quilombola do Sertãozinho do Norte
Valor total do Projeto: 100 mil reais

  • Roda de conversa com Cláudia Leite sobre o design de abadás

Público alvo: Brasil todo {{será transmitida via web}}
Valor total do Projeto: 100 mil reais

Qual projeto a senhora e o senhorzinho acham que o Bradesco/Itaú/Petrobras apoiariam ?

Este é o problema da lei. Por isso, vale a pena perder a cabeça e sair gritando.  Mas xingar a Cláudia Leite, por usar uma lei de incentivo que existe?? Por favor, tenham mais dignidade. E isso vale até para o Ministro fora-do-eixo Juca Ferreira, que deu uma declaração que a esquerda achou linda, mas não entendeu que foi jogo de cena. Disse o moço que não ia mais aprovar o projeto da Miss Milk {{que é como Cláudia Leite é conhecida internacionalmente, como todos sabem}}. Primeiro que não há justificativa lógica  para isso, conforme demonstrado. Segundo que na mesma Revista Fórum onde há a declaração, há também a informação de que a produtora desistiu do projeto {{não acredite em mim}}.

E aqui fica a dica aos coleguinhas da Fórum: não existe “recurso de Rouanet“.

Tá certo, a moça canta mal, é chata, tem inglês de doer e talvez você, preocupado com a repercussão cultural que transmitimos país afora, não goste, por exemplo, do cabelo ou das coreografias dela. Você pode ter todas as birras do mundo. Mas ela é brasileira e está usando uma lei brasileira para fazer o que ela acha que deve.

Tá errada a moça? Não, não está. Está errada a lei. 

E, convenhamos, você leitora inteligente, leitor sagaz já passou por quantas polêmicas a respeito da Lei Rouanet? Da última vez foi com a Maria Bethânia. Antes disso uma exposição de moda. Antes ainda, Circo de Solei {{dane-se escreverei assim mesmo}}. Antes disso foi com o Antônio Fagundes.

Deuses! Já deu tempo de aprender, né?

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